REGISTROS, ISSN 2250-8112, Vol. 18 (2) julio-diciembre 2022: 6-25
Publicidade em Casa e Jardim nos anos 1950
Advertising in Casa e Jardim in the 1950’s
Maristela da Silva Janjulio
Grupo de Pesquisa em História da Cidade, Arquitetura e Paisagem, Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, Brasil
Resumen
O artigo analisa, especialmente, a publicidade na revista Casa e Jardim, considerando o contexto dos anos 1950, de transformações econômicas, sociais e culturais, a nível mundial, que ressoam no Brasil. Particularmente importante nessa pesquisa é a consolidação da sociedade de consumo no Brasil, naquela mesma década, e o surgimento de novos produtos e novos hábitos associados a eles. Essas modificações levam a transformações no próprio modo de vida. Esse é também um momento de grande impulso para o mercado publicitário, no Brasil, assim como nos Estados Unidos.
Ao longo do artigo, descrevem-se as inovações da publicidade nos 1950, que são cotejadas com alguns anúncios presentes na revista. Assim, pode-se investigar a questão da propaganda na revista. Além disso, procura-se estabelecer um paralelo entre os anúncios de Casa e Jardim e seus artigos e reportagens, para se entender como relacionam-se, em relação à questão do incentivo ao consumo. Algumas questões a serem pensadas: qual o papel da propaganda em Casa e Jardim? Como a revista se insere no mercado editorial da época? Quais estratégias são utilizadas para apresentar os produtos ao leitor?
Palavras-chave: consumo, publicidade anos 1950, Casa e Jardim, casa de classe média
Abstract
The article mainly analyzes advertising in Casa e Jardim magazine, considering the context of the 1950s, of economic, social and cultural transformations, worldwide, that reflect in Brazil. Particularly important in this research is the consolidation of consumer society in Brazil, in that same decade, and the emergence of new products and new habits associated with them. These changes lead to transformations in the way of life itself. This is also a time of great momentum for the advertising market, in Brazil, as well as in the United States.
Throughout the article, the innovations of advertising in the 1950's are described, which are compared with some advertisements present in the magazine. Thus, one can investigate the issue of advertising in the magazine. In addition, an attempt is made to establish a parallel between Casa e Jardim advertisements and their articles and reports, in order to understand how they relate to the issue of encouraging consumption. Some questions to think about: what is the role of advertising in Casa e Jardim? How did the magazine fit into the editorial market of the time? Which strategies are used to show the products to the reader?.
Keywords: consumption, advertising in the 1950’s, Casa e Jardim, middle class house
Introdução
Nossa pesquisa procurou interpretar a revista Casa e Jardim –seus anúncios e reportagens. No entanto, como uma leitura interna, apenas, da evidência não é suficiente, procuramos conhecer as referências que a ligam à realidade a partir da qual foi construída (Ginzburg, 2011, p. 348-349) Assim, além da revista em si, analisamos o contexto em que ela é produzida, em que a publicidade tem um papel muito importante. “Trata-se de uma redefinição do objeto de pesquisa que apresenta um novo panorama, mais abrangente, da produção arquitetônica de determinada época. Pois, a arquitetura como objeto interdisciplinar participa das transformações sociais e culturais de sua época” (Janjulio, 2015, p. 28).
Nesse sentido, procura-se compreender como a revista Casa e Jardim se insere neste cenário do pós-guerra de transformações, mais especificamente em relação à questão do consumo, evidenciada pela publicidade presente na revista. Além disso, analisa-se o cenário brasileiro dos anos 1950, principalmente o surgimento de novos produtos e, com eles, os novos hábitos de consumo e a publicidade que tornam esses produtos conhecidos do público.
Procurou-se uma perspectiva, um olhar que extrapolasse a disciplina da arquitetura, constituindo um “campo ampliado da arquitetura” (Cohen, 2013). Sob essa perspectiva, no caso desse artigo, levamos em consideração o papel da revista Casa e Jardim como uma espécie de mediadora entre o leitor e o arquiteto. Nessa realidade, existe a prática do projeto e construção –de casas, geralmente pequenas– onde as escolhas são pautadas também por questões econômicas.
Além disso, o leitor-cliente também é um potencial comprador dos produtos anunciados pela revista. Assim, em última análise, mostramos o discurso construído em uma revista, onde estão presentes, questões técnicas, mas também a questão do consumo.
No artigo, inicialmente, é analisado o contexto dos grandes centros, no Brasil, nos anos 1950, com a consolidação da sociedade de consumo, os novos produtos, novos hábitos e um novo modo de vida, que surge. A seguir, tratamos da publicidade, um tema fundamental naquela década. Só então, analisamos a revista Casa e Jardim. Procuramos entender o que ela mostra ao leitor, em termos técnicos e, então, analisamos os anúncios da revista.
A análise dos anúncios tenta seguir as mudanças que ocorreram naqueles anos, na publicidade, estudadas por Genaro (2013), Santos (2003) e Sant´Anna (1997), entre outros. Mas, para nossa análise, utilizamos estratégias empregadas por Genaro (2013), a partir do manual de técnica publicitaria da McCann-Erickson (1960), principalmente: considera-se o lay out do anúncio como uma unidade entre imagem e texto que, em alguns casos, dispensa a narração textual. Essa é a tendência que se mostra naquela década, no campo da publicidade, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil. Assim, a imagem –mostrada em fotografias coloridas– dos produtos constitui-se em elemento central em nossas observações.
O Brasil nos anos 1950
O recorte temporal da pesquisa é o dos anos 1950, assim, foram pesquisadas edições de Casa e Jardim, entre 1953, quando começa a ser publicada, e 1959. Para se compreender esse período é necessário examinar os fatos que ocorrem logo após a Segunda Guerra Mundial: o cenário internacional transforma-se e ocorre a divisão do mundo em dois blocos político-militares, conduzidos por EUA e URSS.
Nesse panorama de grande tensão geopolítica entre os dois blocos –a chamada Guerra Fria –, amplia-se a influência econômica, política e ideológica dos Estados Unidos, que com sua força política e econômica, tenta conter a expansão comunista e preservar espaço para o desenvolvimento capitalista. É uma época de grandes transformações políticas, econômicas e sociais. Houve grandes avanços científicos e tecnológicos e mudanças culturais e comportamentais.
No Brasil, nessa época, havia o desejo de transformar a realidade econômica, política, social e cultural de um país subdesenvolvido, constituindo uma nação moderna. No período entre 1945 e 1964, aceleram-se as migrações internas e a urbanização, quando acontece a fase decisiva do processo de industrialização brasileiro. A aceleração desse processo seria a resposta aos problemas estruturais e conjunturais do país, tanto para o governo de Getúlio Vargas (1951-1954) quanto para o de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Instalam-se os setores de tecnologia avançada, que necessitavam de consideráveis investimentos iniciais e tecnologia complexa, só possíveis a grandes empresas multinacionais ou às estatais (Mello e Novais, 2012, p. 560-561). A implantação dessas empresas era um dos objetivos de Kubitschek e isso se daria através de uma “política comprometida com o capital estrangeiro” (Meyer, 1991, p. 21).
O Estado atuou na organização desse processo de industrialização, através de incentivos e medidas que estabeleciam objetivos para as indústrias privadas. O principal instrumento dessa política foi o Plano de Metas, elaborado por Kubitschek em 1956, que tinha como lema “50 anos em 5.”
A grande porta de entrada para esse capital e tecnologia foi São Paulo, onde já existia um parque industrial e que apresentava grande potencial. As novas indústrias instalam-se principalmente no ABC, marcando a segunda etapa da industrialização brasileira e uma nova fase econômica, a partir do governo Kubitschek.
Um novo modo de vida
Nesse cenário de grandes transformações dos anos 1950, no Brasil, pode-se perceber o aparecimento de um novo modo de vida –para certos extratos da população. Uma das causas de tal mudança pode ser apontada como a ampliação da influência econômica, política e ideológica dos Estados Unidos e a penetração da cultura norte-americana na Europa e em países latino-americanos, como o Brasil. Essa cultura traz consigo esse novo modo de vida –difundido pelos meios de comunicação– que envolve a produção e consumo em massa de bens manufaturados de uso pessoal e doméstico, disponíveis após a guerra. Esse processo evidencia a consolidação da sociedade de consumo, no Brasil, naquela década.
Além da quantidade de produtos disponíveis, aumenta também a sua variedade: desde veículos a eletrodomésticos, refrigerantes, alimentos e confecções. No caso dos alimentos, surgem os industrializados, enlatados –extrato de tomate, ervilha, palmito, milho, leite condensado, creme de leite– e embutidos –linguiça, salsicha, presuntada, feijoada, mortadela, além de sorvetes. São introduzidos novos produtos de limpeza –o detergente e o sabão em pó– e de higiene pessoal –amplia-se o uso da escova de dentes, do creme dental, do desodorante, shampoo, condicionador, absorventes femininos e cosméticos.
A compra dos bens duráveis de valor mais elevado –automóveis, televisores, geladeiras– tornou-se possível, em grande parte, pelo financiamento através do sistema bancário, por meio do crediário. A importância dessa compra envolve, também, significados e valores, trazidos pela posse desses bens, entre eles, modernidade e elevação do status social. Além disso, esses produtos são vistos como essenciais à vida moderna.
Elevação do padrão de vida significa fundamentalmente conforto doméstico, direito de possuir tudo aquilo que proporciona bem-estar a uma família, isto é, aquele sem número de utilidades domésticas que a vida moderna, especialmente nas grandes cidades, tornou indispensáveis e transformou em símbolos do nível de vida. (Feira Nacional, 1959, p. 84)
O trecho anterior refere-se a reportagem de Casa e Jardim, anunciando a realização da UD, Feira Nacional de Utilidades Domésticas,1 em março de 1960. Pretendia-se alcançar o grande público consumidor –as famílias–, com a exposição de uma grande variedade de artigos domésticos. Essas famílias são, principalmente, de classe média, pois, no Brasil, nos anos 1950, ocorre a consolidação da nova classe média urbana, em São Paulo, e em outros grandes centros. A classe média representaria grande parte do mercado consumidor para os novos produtos.
O brasileiro não precisa apenas comer e vestir melhor, precisa morar bem e possuir em casa tudo que a civilização exige como essencial à vida. Precisa de seus aparelhos elétricos, de seus abajures e adornos, precisa de uma casa bem decorada, precisa de rádio e televisão, precisa de um mundo de coisas. Sim, de um mundo de coisas, que a Feira Nacional de Utilidades Domésticas vai mostrar que o Brasil já produz e que está ao alcance de todos. (A Feira, 1959, p. 65)
No imaginário social, os novos produtos trariam a modernidade ao país. Apesar disso, essa modernidade contrastava com um Brasil ainda predominantemente rural. As transformações no consumo e no comportamento dos brasileiros ocorreram apenas para a população dos grandes centros urbanos, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.
No entanto, esse contraste estava presente também nas grandes cidades. “Os traços da ruralidade não foram apagados da realidade urbana de maneira homogênea e completa” (Sant´anna, 1997, p. 96) Mesmo a publicidade poderia exprimir o que se chamava “atraso”, ou a sua superação. Diversas narrativas poderiam estar presentes em um mesmo anúncio, refletindo a realidade do país, a vida na cidade grande e a vida rural, hábitos cosmopolitas ou valores regionais.
Gostos, preferências, valores, comportamentos, ditos cosmopolitas, passam a pontuar a pauta de discussões destes moradores e a orientar a ação destes sujeitos sociais: o hábito de barbearem-se várias vezes na semana, de morarem em apartamentos em vez de casas, de realizarem leitura semanal de revistas, de gozarem de férias, de consumirem determinadas marcas, de se posicionarem a favor do biquíni e do divórcio e a nos revelar aspectos de integração a essa nova ordem mundial, moderna e capitalista em contraposição àquele mundo rural, arcaico, fundamentado na posse da terra e na agricultura de exportação. (Martini, 2011, p. 35)
Esses novos hábitos, cosmopolitas, foram sendo criados a partir da introdução dos novos produtos no cotidiano de homens e mulheres, de forma lenta e gradual, e envolveu, também, mudanças na forma de comercialização dos produtos, que são apontadas por Mello e Novais (2012, p. 566): surgem o supermercado, as grandes cadeias de lojas de eletrodomésticos, como Mappin e Mesbla, e as revendedoras de automóveis. Os anúncios refletem essas transformações da vida cotidiana, como a dona-de-casa fazendo compras em um supermercado.
Figura 1. Anúncio mostrando dona de casa em supermercado. Casa e Jardim, 20, p.38.
A questão da publicidade é um dos temas importantes para se compreender esse período da Guerra Fria. É importante ressaltar que, desde os anos 1930, as técnicas de propaganda norte americanas vinham substituindo as referências francesas. Mas, é na década de 1950, que se inicia uma grande revolução na propaganda, em Nova York, graças ao crescimento da economia americana e da instalação definitiva da sociedade de consumo, consolidando-se a linguagem da publicidade como seu vocabulário.
Um processo similar acontece no Brasil: o desenvolvimento econômico, o incremento no consumo e o crescimento dos meios de comunicação impulsionam o mercado publicitário,2 para a divulgação de marcas e produtos. São Paulo, o principal centro financeiro do país, era o núcleo dessa produção, atendendo os setores em crescimento, principalmente o automobilístico, que promovia grandes campanhas publicitárias.
O principal veículo de propaganda era o rádio. As radionovelas, programas de auditório, humorísticos e jornais eram patrocinados pelas grandes empresas, fabricantes, sobretudo, de produtos de limpeza e toalete.3 A partir da divulgação desses produtos, os programas de rádio contribuíam para a apresentação de novos hábitos ao brasileiro, como a escovação dos dentes e o banho diário. “O consumo, bem como novas práticas sociais, era incentivado ainda no texto ficcional radiofônico. Por meio das radionovelas, sugeriam-se ao radiouvinte alguns comportamentos, que estavam em sintonia com a nova realidade mundial: urbana, moderna e industrial” (Martini, 2011, p. 179).
A televisão, o eletrodoméstico mais associados ao período, também foi fundamental para o crescimento da publicidade, apesar das restrições iniciais, em relação à programação limitada e ao alto custo dos aparelhos. Algumas atrações de sucesso do rádio migraram para a TV, levando suas fórmulas: novelas e programas de auditório. Assim, a questão da publicidade em relação aos meios de comunicação é fundamental, pois ela os financiava.
A revista Casa e Jardim
Devemos destacar que, da mesma forma que acontecia em relação aos outros meios de comunicação, as revistas também eram financiadas pela publicidade: cerca de dois terços de sua renda bruta vinham dos anúncios. Essa verba era calculada pelas agências, considerando a abrangência da publicação, a tiragem, o público atingido e o tipo de produto a ser anunciado. Definiam-se, também, quais veículos seriam utilizados em determinada campanha e o montante de investimento destinado a cada um.
Assim, pode-se considerar que o crescimento da publicidade em nosso país também contribuiu para o aumento do número de publicações periódicas. Essa ampliação deu-se de forma segmentada, de acordo com o público: feminino, infantil, homens de negócios, entre outros. Mas, as revistas voltadas a um público mais amplo, como O Cruzeiro e Manchete, ainda lideravam as pesquisas de opinião e tinham a preferência na venda de espaços publicitários.
Nesse mercado editorial, Casa e Jardim4 inclui-se em um segmento novo, o das revistas voltadas ao público feminino, dedicadas à casa.5
É claro que uma revista como essa tem de conquistar, de preferência, a classe média. Os ricos têm seus decoradores, seus jardineiros, seus mestres-cucas que pouco aceitam sugestões: são artistas compenetrados de sua autossuficiência. Somos nós, as donas-de-casa, que lutam com poucos recursos, as que procuram avidamente revistas especializadas que nos ajudem a embelezar o nosso lar com os recursos e os móveis de que dispomos, já que os que aparecem, elegantes e macios, estão além de nossas possibilidades aquisitivas. Por isso, (...) peço-lhes sugestões acessíveis, compráveis e fabricáveis por nós mesmas, (...) modos de modernizar ambientes mais ou menos antigos. (...) (Obrigado!, 1953, p. 2,)
Casa e Jardim “traduz” conteúdos dirigidos a profissionais –arquitetos e engenheiros–, para um público não especializado. Ela procura explicar ao(a) leitor(a) todo o processo de concepção e construção de uma casa.
Discutem-se vários aspectos do projeto e da construção da casa, desde a escolha do terreno, o programa de necessidades, a implantação, a decoração dos ambientes e até o canteiro de obras.
Delineada a planta e assentados os mínimos detalhes, com relação à escolha dos materiais a serem empregados, procuraremos, então, um construtor de nossa confiança, a fim de ele nos fornecer um orçamento da obra a ser executada. Em vista da variação que há quanto à mão-de-obra e aos preços do material (...) é sumamente difícil obter um orçamento absolutamente certo. (Como construir, 1953, p.8)
O artigo anterior é ilustrado com alguns operários executando o gabarito de uma construção. Procura-se, dessa forma, relatar-se a dificuldade da construção da casa e a importância do trabalho do arquiteto. O cliente deveria se informar para que pudesse discutir, em detalhes, todas as suas necessidades com esse profissional. “Antes de contratar a construção de nossa casa e, sendo leigos no assunto, devemos familiarizar-nos com os materiais” (O que devemos saber, 1954, p. 5).
O proprietário deveria imaginar a casa pronta, habitada e funcionando: “ela pode e deve ser longamente estudada. Procure morar na sua casa, antes de construí-la” (Conselhos e sugestões, 1953, p. 62). E, para que o(a) leitor(a) pudesse imaginar essa casa, utilizavam-se plantas baixas ilustradas e maquetes simplificadas.
Outra experiência interessante de Casa e Jardim foi a criação de projetos “sob medida” para um cliente padrão, na coluna “Equipe 5 responde: more bem na casa feita para você”. Uma equipe, composta por cinco arquitetos, elaborava projetos como respostas a cartas enviadas pelos leitores. Através do projeto de tipologias variadas, os arquitetos discutiam questões como insolação, topografia, funcionalidade, sempre considerando os custos de construção.
Esse processo é diferente do profissional criando uma arquitetura erudita para um cliente de elite; trata-se de uma revista, assessorada por arquitetos, fazendo uma espécie de mediação, entre o arquiteto e o(a) leitor(a). Esse(a) leitor(a), provavelmente, não teria recursos para contratar um profissional. E, a revista tenta suprir esse papel, configurando um campo ampliado, que envolve, ainda, a mão de obra necessária à construção, a indústria da construção, a comercialização dos produtos, etc.
Além destes conteúdos técnicos, Casa e Jardim, apresenta uma produção moderna de residências unifamiliares, de autoria de vários arquitetos, que não se restringia a São Paulo. Assim, grande parte da arquitetura presente na revista é a arquitetura moderna que chega, dessa forma, à classe média, tema analisado por Janjulio (2015) e Lara (2008).
Existem, ainda, na revista, “tentativas de se transmitir a linguagem moderna ao público de classe média, em uma espécie de ‘aula de arquitetura moderna’, mesclando-a ao mundo doméstico, sempre procurando uma casa prática e confortável” (Janjulio, 2015, p.25). Assim, Casa e Jardim ajuda a difundir a arquitetura moderna no Brasil, apresentando conselhos sobre o projeto e construção da casa, criando uma espécie de modelo a ser seguido.
Este modelo, que se constitui na revista, estabelece novos conceitos, baseados nos princípios modernos e voltados àquele modo de vida, urbano e moderno. É uma espécie de ‘lição de arquitetura moderna’, adaptada ao mundo doméstico, procurando uma casa prática e confortável. (Janjulio, 2017, p. 5)
A própria revista deixa clara essa escolha pela arquitetura moderna: “Esperamos, caro leitor e cara leitora, que CASA E JARDIM se torne útil na construção e no embelezamento de seu lar e que lhe avive o interesse pelas realizações da moderna arquitetura brasileira...” (Reichenbach, 1953, p.7).
Anúncios em Casa e Jardim
Na revista Casa e Jardim, além dos conteúdos técnicos de que tratamos, existe o incentivo ao consumo, na forma de anúncios de produtos para a construção da casa e para sua utilização. Esse estímulo ao consumo é facilitado pelo fato das revistas, em geral, criarem uma relação mais íntima, uma identificação com seu público, o que também acontece com Casa e Jardim.
Os anúncios eram muito importantes, na elaboração das revistas: em Casa e Jardim, as páginas onde eles se encontravam eram definidas em primeiro lugar na diagramação e pouco se alteravam a cada edição. Depois disso, distribuíam-se as matérias da redação. As páginas com os anúncios, principalmente aqueles coloridos e de página inteira, sem concorrência no campo visual, eram as mais elaboradas e contrastavam com os artigos e reportagens, geralmente em preto e branco.6
Genaro (2013, p. 104) mostra a importância desses anúncios e de suas dimensões.
Um grande anúncio é também símbolo de posicionamento da marca no mercado e perante seus concorrentes (...) um grande anúncio pode atribuir um valor de prestígio ao anunciante. Por isso, a dimensão do anúncio também é elemento de significação da mensagem publicitária.
Assim, o estímulo ao consumo nas revistas se dava, principalmente, através das imagens veiculadas nos anúncios. Isso demonstra o papel da publicidade na circulação das imagens, nos vários veículos em que ela está presente. Através dessas imagens, a publicidade da época procurava, entre outros pontos, construir uma imagem para o produto anunciado, imagem que o associasse a valores positivos. Pretendia-se criar um conceito para ele.
O conceito visava fixar o produto na mente do consumidor, estabelecendo um vínculo mais consistente do que o de produtor-comprador. “É necessário que as empresas ou produtos tenham uma espécie de personalidade com a qual o consumidor se relacione, uma ‘alma’ da marca” (Lara, 2010, p. 137). Pretendia-se ir além de uma venda imediata e fixar uma imagem, que traria dividendos a longo prazo.
Essa ideia de se criar um conceito para determinado produto está presente no seguinte anúncio de Casa e Jardim: “Para ambientes modernos onde impera o conforto. (...) onde sente-se que tudo é regido pela lei do bom gosto e da comodidade, adivinha-se logo: o colchão é Probel” (Para ambientes, 1954, p.7) O colchão não é mostrado no anúncio, mas a imagem cria uma aura de conforto, sofisticação, modernidade, que se associa ao produto, reforçada pelo texto.
Figura 2. Anúncio de colchão. Casa e Jardim, 8, p. 7.
Para Genaro (2013, p. 131), a
integração entre texto e outros elementos gráficos substitui na peça publicitária uma visualidade que necessita do suporte da narração textual por uma que explora conceitos para o produto. Esta é a principal mudança que ocorre no campo da publicidade impressa, tanto nos Estados Unidos, como no Brasil”, nos anos 1950.
São modificações que transformam o layout, que não é apenas uma organização e colagem de elementos gráficos, mas uma unidade formal; uma ferramenta de produção de sentidos: “O layout é a maneira de dizer” (Mccann-Erickson, 1960, p. 169 apud Genaro, 2013, p.109). Ele assume uma enorme importância, constituindo uma ruptura com os tipos de layout produzidos até os anos 1940. A partir dessas transformações, os aspectos visuais da peça publicitária são muito valorizados, no texto há frases criativas, curtas, não lineares, que não explicam o produto, mas que envolvem o consumidor.7 Comprime-se a mensagem e, às vezes, ela é tão cifrada que não é percebido o apelo mais evidente, o da venda (Lara, 2010, p.125).
Analisando-se os anúncios de Casa e Jardim, pode-se perceber esse avanço na técnica publicitária, como a “predominância de espaços em branco, o uso da fotografia, a integração entre imagem e texto, além da economia de recursos gráficos para se privilegiar o essencial do anúncio...” (Genaro, 2013, p. 110). É o caso dos anúncios dos tapetes Chenile, presentes em muitas edições da revista. Um deles mostra uma jovem, sentada no tapete, ouvindo música (UM ACORDE…, 1954, p. 15).
À primeira vista, o que se destaca é a imagem da jovem no tapete que, com o texto, constitui uma unidade. A forma do texto –em que apenas o título sobressai– se adapta à imagem. O restante apresenta uma fonte de tamanho pequeno, que não tem que ser lido, necessariamente. Tenta-se, também, nesse anúncio, criar um conceito para o tapete: a posição e os gestos da jovem exprimem delicadeza, ternura e modernidade, qualidades que também podem ser associadas ao produto. Ele também é moderno, suave, macio, refinado e confere status a quem o possui:
uma pessoa distinta prefere sua residência afinada sem dissonância entre cores e estilos. Os tapetes Chenile insinuam-se lanosa e meigamente às decorações das salas, às curvas de arranjos, para cima e para baixo das escadas. (...) na rica escala de cores. (Um acorde, 1954, p. 15)
As linhas diagonais do tapete enquadram a jovem, mas, ao mesmo tempo, dirigem o olhar do(a) leitor(a) para fora da página, levando-o a imaginar a parte do tapete que não é mostrada. Além disso, essas linhas dão ideia de movimento e profundidade, assim como o título, com suas linhas curvas, que apresentam uma forma melodiosa, como um “acorde encantado”: “no reino das melodias –na realização do tapete– uma harmonia feliz para ver e ouvir” (Um acorde, 1954, p. 15).
A analogia8 com a música está presente na imagem dos discos e do toca discos e nas notas musicais, preenchidas com fibras do tapete. No texto, também, existe a analogia com a música: “residência afinada sem dissonância”.
Outro aspecto do anúncio são as fontes utilizadas. Apesar do título apresentar uma letra cursiva, o texto está escrito com uma fonte que aparenta ser a “futura”,9 associada ao design moderno. Isto é um tanto ambíguo, pois em relação às fontes, nos produtos voltados às mulheres, utilizavam-se, à época, as fontes tipográficas cursivas e com elementos coloridos, enquanto no caso de um produto associado ao universo masculino utilizavam-se fontes sem floreios e sem cores.
O manual de técnica publicitaria da McCann-Erickson (1960, p. 172 apud Genaro, 2013, p. 164) trata da fonte tipográfica: “o tipo do texto deverá ser analisado pelo artista, como elemento que poderá́ ajudá-lo a estabelecer uma atmosfera, o ambiente que caracterizará o anúncio”. Essa atmosfera poderia ser criada também pela utilização de negrito, itálico ou sublinhado e pela própria disposição do texto. Tudo isso produziria significados, pois, o texto era, também, um elemento de composição formal, uma imagem. Ele produziria sentidos por sua própria configuração.
Essa ideia está presente na poesia concreta, que se desenvolve no Brasil, a partir do trabalho dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e de Décio Pignatari. Propunha-se a escrita da poesia não apenas como texto, mas como forma.
É inegável a preponderância do visual sobre o auditivo e o verbal, no mundo moderno. Ora, a poesia concreta, elevando o visual e espacial ao mesmo nível de importância do auditivo e do verbal –que até agora eram os únicos a serem levados em consideração, na poesia– aproxima-se, evidentemente, das artes visuais, ambas se beneficiando dessa aproximação e proximidade. E esta proximidade é forçosa, pode-se dizer, justamente na propaganda. (...) O texto não pode ser "encaixado" no layout, como se vê todo dia e a toda hora, mas deve ser um elemento de composição formal do anúncio êle mesmo. Como não é indiferente que se meta um texto neste ou naquele tipo de letra, este trabalho não pode ficar ao arbítrio da produção ou da arte: o redator (de um "anúncio concreto"...) deve participar ativamente nele. ... (Pignatari, 1957, p. 37 apud Genaro, 2013, p. 163)10
Figura 4. Anúncio de tapete. Casa e Jardim, 84, s.p.
Outro aspecto do anúncio anterior a ser ressaltado são as cores utilizadas. As cores primárias vermelha e azul se destacam e contrastam com o verde do tapete. Uma paleta restrita de cores ajudando a criar uma imagem forte e impactante para o produto.
Assim como nesse anúncio, a questão da cor é tema central da publicidade nos anos 1950. No manual de técnica publicitária, publicado pela agência McCann-Erickson há algumas considerações sobre seu uso:
A cor é, sem dúvida, o mais significativo fator de diferenciação da propaganda em revistas. E tomada isoladamente, contribui mais do que qualquer outro fator para o progresso técnico e para o aumento da eficiência da publicidade nos últimos anos. A cor, num anúncio, torna nossa mensagem mais vívida e nosso produto mais real. A cor cria, ou sugere situações, contribui para a obtenção do “ambiente” ou “atmosfera” mais propício, dá mais impacto e mais força de atração ao anúncio, torna-o mais convincente e impressionante. (Mccann-Erickson, 1960, p. 176 apud Genaro, 2013, p. 166)
Essa “atmosfera” pode ser vista em uma série de anúncios dos tapetes Tabacow (Transforme, 1955, p.10-11) em Casa e Jardim, com uma cor predominante.11
Pode-se associar o tapete –cercado de vegetação– a um gramado, enquanto o título fala da cor natural. A imagem nos transmite a mensagem e o conceito do produto, vinculando-o à natureza, às sensações que se tem em meio a um jardim. O nome do tapete não é mencionado. Além disso, não se consegue associar o anúncio a nenhuma época, é atemporal. O gramofone reforça essa ideia.
O anúncio seguinte, do mesmo tapete, apresenta uma cor predominante que lembra a terra. Novamente, associa-se o produto à natureza, ideia reforçada pelos pássaros. A louça, em primeiro plano, desperta nossa atenção, direciona nosso olhar para os pássaros e, em seguida, para o título. A cor branca, da louça e do título, ajuda a criar unidade no layout. O texto é secundário, pois a narrativa é feita pelas imagens, criando anúncios atraentes e de grande impacto.
Figura 5. Anúncio de tapete. Casa e Jardim, 100, s.p.
Artigos e reportagens e o estímulo ao consumo
Outra questão sobre o incentivo ao consumo em Casa e Jardim é a sua presença, também, nos artigos e reportagens. Como estes constituem o ponto de vista da revista e, aparentemente, são imparciais, conferem credibilidade a essa espécie de propaganda. No entanto, a revista tentava se justificar a esse respeito:
Abrimos aqui um parêntesis para acentuar que cada artigo e cada fotografia que publicamos desde o primeiro número em Casa e Jardim exprime exclusivamente o ponto de vista da redação. Não aceitamos nenhuma contribuição financeira nem troca de qualquer espécie de interesses, com o propósito de recomendar um produto. As reportagens das casas escolhidas e reproduzidas são gratuitas para os respectivos donos, assim como a divulgação dos nomes de arquitetos, decoradores, etc., que servem unicamente para orientação de nossos leitores. (Passeio, 1954, p. 28)
Uma estratégia para se aconselhar a compra de produtos ao (a) leitor(a) era mostrar determinado produto, várias vezes, em uma mesma edição, na capa, em reportagens, artigos e anúncios. Um exemplo são os produtos relacionados à cozinha.
Em anúncios, apresentava-se o que havia de mais moderno à época, para esse ambiente da casa: armários em aço, bancadas, eletrodomésticos, mesas e cadeiras com desenho moderno, metais, azulejos e persianas. Em uma espécie de cadeia de produtos, o consumo de um levaria ao consumo dos outros. Esse tipo de anúncio era direcionado tanto a alguém que iria construir sua casa, quanto a quem desejasse apenas renová-la.
Estava implícito, em imagens como a anterior, o modo moderno de se cozinhar: limpo, eficiente, racional e simples. E que poderia ser executado pela própria dona de casa, como na imagem seguinte. A leitora-consumidora era levada a imaginar-se naquele ambiente, como se ele fizesse parte de sua própria casa.
Figura 6. Anúncio de cozinha, mostrando vários produtos. Casa e Jardim, 5, s.p.
Figura 7. Anúncio de cozinha, mostrando dona de casa. Casa e Jardim, 57, s.p.
Além dos anúncios, poderiam ser criadas histórias com personagens, como a Madama X (Madama, 1954, p. 54-55 e 88), em que uma dona de casa é educada sobre os eletrodomésticos modernos. Outra história falava de uma jovem dona de casa inexperiente, que aprende a planejar sua cozinha, através de croquis com configurações diversas e o posicionamento dos eletrodomésticos (Crivelli, 1955, p. 31-35).
Nessa mesma edição da revista, é mostrada uma matéria com dicas para armazenamento de objetos da casa (Para, 1955, p.36-37), inclusive da cozinha, e a capa mostra uma jovem dona de casa cozinhando. Existem, também, outros anúncios de itens relacionados à cozinha e, também, de alimentos. Dessa forma, por toda aquela edição, a leitora é incentivada a consumir utensílios e eletrodomésticos para a cozinha ou alimentos, nas reportagens, matérias e anúncios.
Outros produtos, como as pastilhas de vidro, chamadas “mosaico vidroso”, e as peças e materiais de revestimento para banheiros, entre outros, aparecem em anúncios e reportagens, criando uma associação entre a opinião da revista e o que é anunciado.
Pode-se dizer que, nesse momento, a casa se consolida como elemento da sociedade de consumo, como uma espécie de cenário, onde podem ser exibidos produtos diversos. Também é mostrada a forma como devem ser utilizados, seja através do projeto de uma cozinha, da receita de um bolo, ou de instruções a respeito de um eletrodoméstico. Existe sempre algo mais, que pode ser adquirido, para que a casa esteja sempre atualizada e confortável: é uma casa sempre “em construção”.
Essa é também a razão pela qual não queremos que o nosso lar seja uma coisa completamente terminada, definitiva. (...). Mas queríamos sempre ficar com as possibilidades de alterações e preservar a liberdade de formar e transformar esse ninho que é nosso. (O homem, 1959, p. 4)
Figura 8. Dona de casa cozinhando. Casa e Jardim, 16, capa.
Figura 9. Anúncio de fermento em pó. Casa e Jardim, 11, s.p.
Algumas estratégias para a criação de anúncios
Esse cenário em que se constitui a casa mostrada na revista exibe, assim, produtos variados como gêneros alimentícios, eletrodomésticos, materiais de acabamento e móveis, que predominam, no início da revista. Ao longo do tempo, diversificam-se os produtos, com anúncios de cigarros, automóveis e companhias aéreas, na medida em que a revista ganha público e as edições tornam-se mais elaboradas.
Grande parte dos produtos anunciados pertence ao segundo grupo, em uma classificação em três grupos de produtos, definida pelo manual da agência Mccann-Erickson (1960, p. 171-172 apud Genaro, 2013, p.138).12 O segundo grupo compreendia “os produtos cujo valor está em função de seu uso, ou do serviço que prestam, como os cigarros, alimentos, (...), viagens, refrigeradores, etc.” e “a regra é que se apelem mais ao leitor as cenas que documentam os resultados obtidos com o uso do produto”. Esta seria a estratégia para a criação do layout, no caso desse segundo grupo, o elemento central não é o produto, mas as sensações que ele proporciona: “o benefício, mais do que o produto, é valorizado no anúncio” (Genaro, 2013, p. 139). Além disso, cenas com pessoas, animais ou coisas em movimento provocariam sensações mais fortes no leitor.
Os anúncios de alimentos em Casa e Jardim procuram esse efeito, de apontar as sensações trazidas pelo produto. As estratégias são particularmente interessantes, quando são mostrados ingredientes que não são imediatamente associados ao alimento preparado, caso do fermento em pó e do amido de milho. Assim, para se associarem as sensações positivas com o produto anunciado, é necessário mostrá-lo como algo pronto para ser consumido, com boa aparência e, imagina-se, um sabor e odor agradáveis.
No anúncio do fermento, vemos um grupo de crianças que olham atentamente para um bolo –onde a cor rosa se destaca– e sorriem. Depois, nosso olhar se dirige ao produto e ao título. Os elementos interagem entre si, através de uma linguagem visual que os organiza hierarquicamente, configurando o layout como uma unidade.
Esse movimento do olhar é assinalado como elemento normativo do layout, segundo o manual de propaganda da McCann-Erickson:
a ‘viagem’ que fazem os olhos do leitor de um movimento para o outro, na ordem de sua importância. (...) nossos olhos fizeram um percurso hierarquizado por todo o anúncio, e em cada nível deste percurso, indagações e curiosidades foram esclarecidas pelo elemento seguinte. (Genaro, 2013, p. 142)
Abaixo do título, está o texto, conciso, falando sobre a festa e a receita do bolo. O fermento é um produto do qual não se forma uma imagem de imediato. Assim, é necessário associá-lo ao bolo - através de sua receita ou de sua fotografia. O estímulo visual da imagem cria uma experiência, provocando os sentidos. Percebe-se, aqui, outra figura de linguagem, a sinestesia, uma mistura de sentidos: a visão, o olfato e o paladar. Uma combinação de sensações diferentes.
Figura 10. Anúncio de amido de milho. Casa e Jardim, 11, s.p.
Outro anúncio que provoca sensações é o do amido de milho. Apesar de não haver pessoas no anúncio, o fato do bolo ter sido cortado e retirada uma fatia –da qual caíram algumas migalhas– mostra que ele acabou de ser assado e que alguém esteve ali há pouco. O (a) leitor (a) vê o bolo, imagina seu gosto e odor agradáveis e cria uma imagem positiva do produto. O arranjo da mesa, os objetos –até a fôrma em que o bolo foi assado– e as cores utilizadas ajudam a criar essa representação. O texto é dispensável, porque as imagens constroem a narrativa. E, na verdade, o (a) leitor (a) não se dá conta do movimento que fizeram seus olhos através do anúncio, primeiro pelo bolo, pela fatia ausente e pela faca, depois pela caixa do produto e, finalmente, ao título. Ele também não percebe qual questão foi formulada, em cada objeto em que seu olhar se deteve, pois tudo acontece de forma inconsciente. Ao final desse percurso, permaneceu a sensação agradável que o produto pode lhe proporcionar. Provavelmente, essa sensação será resgatada, quando ele vir a caixa do produto na prateleira do supermercado.
Conclusão
Nossa pesquisa em Casa e Jardim considerou um campo ampliado em relação à disciplina da arquitetura, pois se nos restringíssemos ao campo da arquitetura strictu sensu, não seriam consideradas a questão da publicidade e a própria fonte primária, a revista Casa e Jardim, por não ser uma revista técnica. Nesse campo ampliado estão presentes, ainda, arquitetos e possíveis clientes –o(a) leitor(a) –, o canteiro de obras, a indústria da construção e seus produtos, entre outros personagens.
Evita-se, assim, que a análise seja feita restringindo-se ao projeto e ao edifício isolado, completo em si mesmo, concentrando-se em sua forma ou imagem, e seu autor. Isso privaria a arquitetura de grande parte de seu significado e de sua realidade, em nosso caso, do contexto dos anos 1950 no Brasil. Nesse cenário, emerge a publicidade, participante fundamental desse contexto de mudança do modo de vida no pós Segunda Guerra.
A partir de nossa pesquisa, pudemos perceber que a publicidade tem um papel complexo na revista Casa e Jardim: não se pode simplesmente considerar a revista como veículo de incentivo ao consumo, mas como uma componente da sociedade de consumo. A revista se alimenta do consumo –na medida em que é financiada, quase que totalmente pelas verbas da publicidade– e, por outro lado, o alimenta –com as estratégias mostradas, em relação a anúncios, reportagens e artigos, que possibilitam o aumento das vendas e do investimento em publicidade.
Outro ponto é que os anúncios refletem a realidade em que estão inseridos, de consolidação da sociedade de consumo, de transformações no campo da publicidade, mas, por outro lado, podem também modificá-la, ao apresentar novos produtos e, consequentemente, novos hábitos ao(a) leitor(a). Pode-se mesmo reconhecer que essa publicidade e, por consequência, a revista, apresentam esse novo modo de vida, moderno, confortável e pautado pelo consumo, ao(a) seu(sua) leitor(a).
No entanto, Casa e Jardim também informa o leitor sobre questões relacionadas ao projeto, à obra, à decoração da casa e sobre a arquitetura moderna. Dessa forma, ela também se constitui em um veículo de informação e educação do(a) leitor(a). Assim, mesclam-se na revista informação e incentivo ao consumo. A figura do leitor-cliente-consumidor simboliza essa complexidade que se vê em Casa e Jardim.
Outro ponto a ser observado em relação à revista é que ela resulta de um momento de segmentação do mercado editorial –apesar de ainda haver revistas voltadas a um público extenso. O segmento em que nasce Casa e Jardim ainda é amplo, pois ela se destina ao público feminino, à casa, basicamente, mas também pode ser lida pelos outros membros da família e por um possível construtor, interessado em aprimorar suas obras, por exemplo. Além disso, na revista, existem, também, matérias típicas de uma revista feminina –relacionadas a trabalhos manuais, culinária, jardinagem.
Observamos, ainda, em nossa pesquisa, algumas estratégias de estímulo ao consumo, pela revista. Deve-se ressaltar que as revistas, em geral, criam uma relação íntima com o leitor(a), elas se “aproximam” de forma sutil, Casa e Jardim, também. E, dessa forma, ela cria desejos no(a) leitor(a) e mostra como satisfazê-los. De forma perspicaz, a revista estimula a imaginação da leitora, colocando-a no ambiente mostrado, ou melhor, imaginando que aquele ambiente pode existir em sua casa.
Outra maneira que utilizamos para analisar o estímulo ao consumo foi fazer um paralelo entre os anúncios de Casa e Jardim e seus artigos e reportagens. Assim, percebemos que outra forma de incentivar o consumo é informar, nos artigos e reportagens, sobre os produtos que são exibidos nos anúncios, muitas vezes em uma mesma edição da revista. É a “voz” da revista avalizando os produtos presentes na propaganda.
Sendo que, grande parte dos anúncios é bastante sutil em suas táticas de venda: não é o texto que convence o leitor, de forma clara e racional. Em determinados anúncios, ele é mesmo dispensável, porque a narrativa é construída pelas imagens. E o(a) leitor(a) não se dá conta da forma de construção dessa narrativa, que lhe proporciona sensações positivas, que serão resgatadas, ao ver o produto no ponto de venda. São estratégias planejadas, que podem ser encontradas nos manuais de publicidade da época.
Notas
¹ Patrocinada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, além de eletrodomésticos, haveria na UD, utensílios de cozinha e banheiro, artigos de acabamento, mobiliário e decoração para a casa e o jardim. A partir de CONFORTO…, 1959, existem vários artigos sobre o evento em Casa e Jardim.
² São Paulo contava, em 1960, com 112 agências de publicidade e o Rio de Janeiro com 76, além da primeira escola de propaganda do país, fundada em 1951, a Escola de Propaganda do MASP. A atividade publicitária começa um processo de regulamentação e de organização, com o surgimento da Associação Brasileira de Propaganda e depois da Associação Brasileira de Agências de Propaganda (ABAP) em 1949. As principais agências eram a McCann Erikson e a J. W. Thompson. Esta última seria a pioneira, no país, na introdução da fotografia nos anúncios, na realização de pesquisas de mercado, e em várias atividades na televisão.
³ Os pareceristas do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) –um dos quatro institutos de pesquisa que atuavam no mercado brasileiro na época– o indicavam aos clientes, para a divulgação de produtos variados. De acordo com pesquisa realizada em 1950, 95% dos habitantes das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, independentes da condição econômica, possuíam aparelho receptor de rádio (IBOPE, 1950).
4 Em circulação até os dias de hoje, Casa e Jardim teve sua primeira edição em 1953, abrangendo os meses de março e abril, e era, inicialmente, bimestral. Era impressa em offset pela Companhia Litographica Ypiranga, que também imprimia O Estado de S. Paulo e Seleções do Reader’s Digest. Em maio de 1962, passou a ser publicada pela Editora Efece, do grupo carioca Fernando Chinaglia Ltda. Houve outra revista voltada ao público leigo de classe média, A Casa, publicada entre 1923, e, ao menos, até 1945, destinada também a profissionais –arquitetos, engenheiros, construtores.
5 Houve outra revista voltada ao público leigo de classe média, A Casa, mas destinava-se também a profissionais - arquitetos, engenheiros, construtores, criada em 1923, no Rio de Janeiro, com periodicidade mensal. Foi publicada ao menos até 1945.
6 A diagramação destes era falha, com número de colunas variável e, muitas vezes, o artigo começava nas páginas iniciais e prosseguia nas páginas finais da revista. Além disso, texto e imagens pareciam desarticulados, o que não ocorria nos anúncios.
7 Nessa época, ocorre a transformação do ilustrador em diretor de arte. Ele passa a definir, juntamente com o redator, as peças a serem publicadas. O setor de criação torna-se muito respeitado.
8 Analogia é a semelhança de propriedade entre coisas ou fatos. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/analogia/.
9 A fonte chamada futura foi criada por Paul Renner, na década de 1920. É um clássico do design gráfico moderno. Inspirada pelas técnicas da Bauhaus, utiliza linhas retas e curvas em sintonia, propiciando equilíbrio no conjunto textual. Contudo, apesar da limpeza visual, a fonte não é indicada a longos textos, por conta da exaustão visual provocada. Indicada a textos pontuais nas pranchas arquitetônicas, como títulos e subtítulos.
10 Na época da entrevista, além de sua produção artística, Décio Pignatari era redator da Grant Advertising Publicidade S.A.
11 Além dos anúncios, existe uma série de reportagens sobre cores, em Casa e Jardim, algumas com um “perito” em cores da Sherwin Williams –um dos grandes anunciantes da revista, em páginas inteiras e coloridas. Analisam-se as cores, para que sejam utilizadas de forma equilibrada, com contrastes na decoração, para avivar as sensações e evitar o cansaço de uma cor única. Hookway (1953); Hookway, (1954)
12 Haveria, além deste segundo grupo, o primeiro grupo, de produtos de valor intrínseco, como joias, automóveis, cuja posse orgulha seu proprietário, O terceiro grupo seria dos que se relacionam a resultados indesejáveis que o produto evitaria, como itens de higiene pessoal, remédios, seguros que apelam para o medo ou receio. Para cada grupo, a estratégia de programação visual seria diferente. Nos de valor em si, intrínseco –primeiro grupo–, o produto ficaria em destaque no anúncio. Seria necessário apenas ressaltar as características do produto, os benefícios de uso, não. É o caso dos anúncios dos tapetes, mostrados anteriormente. Quanto ao terceiro grupo, seriam os resultados, mais do que o produto, que provocariam maiores reações do (a) leitor(a).
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Maristela da Silva Janjulio
Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP). Docente no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFEV. Votuporanga-SP. Coordenadora do Escritório Descentralizado do CAU/SP em São José do Rio Preto, SP. URBIS-Grupo de Pesquisa em História da Cidade, Arquitetura e Paisagem, ligado ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU USP), Brasil.
https://orcid.org/0000-0001-5723-173X
Registros. Revista de Investigación Histórica. ISSN 2250-8112
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