REGISTROS, ISSN 2250-8112, Vol. 19 (1) enero-junio 2023

ARK http://id.caicyt.gov.ar/ark:/s22508112/f3virxhvt

 

Setor Bancário do Plano Piloto de Brasília e as fotografias de sua maquete

Uma ferramenta de controle e planejamento

 

Brasilia Pilot Plan’s Banking Sector and its Model Photographs: A Tool for Control and Planning

Helena Bender

Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil

 

Resumo

Talvez não haja imagem mais marcante do centro do Plano Piloto de Brasília do que as fotografias da maquete do Setor Bancário. Essas imagens ilustram a contribuição de Oscar Niemeyer para o Plano Piloto de Lucio Costa e são frequentemente associadas a um urbanismo de formas homogêneas e repetitivas, que não se altera com o tempo, e nem incorpora diferentes atores em seu processo de projeto e construção. Essas associações compreendem a maquete como uma representação formal rígida, fidedigna do conjunto a ser construído, e, talvez por isso, não reconhecem detalhes sobre a história do setor que podem oferecer uma melhor compreensão sobre a cidade pensada pela arquitetura moderna. Um desses detalhes é que Niemeyer optou por não projetar as edificações daquele conjunto. Seguindo esse procedimento, o Setor Bancário, conforme construído, mudou em relação à maquete. Mas, em vez de reivindicar o descompasso como uma falha do plano, este artigo defende a decisão de Niemeyer como uma decisão de planejamento, e que pode ser explicada através, justamente, das fotografias da maquete do setor. Essas fotografias circularam em diferentes contextos como publicações oficiais e trocas informais de cartas. Elas foram utilizadas como propaganda política ao mesmo tempo em que eram apontadas pela crítica especializada como exemplo de fracasso do urbanismo moderno. Elas foram objetos de diferentes interpretações para finalmente se tornar uma ferramenta de controle do desenvolvimento da área.

Palabras clave: Oscar Niemeyer, Lucio Costa, arquitetura moderna, urbanismo moderno

 

Abstract

Perhaps there is no catchier image of Brasilia Pilot Plan's centre than the photographs of the Banking Sector model. Such images illustrate Oscar Niemeyer's contribution to Lucio Costa’s Pilot Plan and are frequently attached to descriptions of a urbanism of homogeneous and repetitive forms, which does not change over time, nor does it incorporate different actors in its design and construction process. These reports understand the model as a rigid, faithful formal representation of the set to be built, and, perhaps because of this, they do not recognize intricacies about the history of the sector that can offer a better understanding of the city thought of by modern architecture. One of these intricacies is that Niemeyer chose to not design the sector's buildings. Following this procedure, the Banking Sector, as built, had indeed changed from its model. But instead of claiming the mismatch as a plan failure, this paper advocates Niemeyer’s decision as a planning one, which can be explained precisely through the photographs of the model of the sector. These photographs circulated in different contexts like official publications and informal exchanges of letters. They were used as political propaganda at the same time that they were pointed out by specialized critics as an example of the failure of modern urbanism. They were objects of ever-changing interpretations to finally become a tool to control the development of the area.

Keywords: Oscar Niemeyer, Lucio Costa, modern architecture, modern urbanism.


 

Introdução

Em Ordnung und Fortschritt. Der Stadtplaner Oscar Niemeyer, o arquiteto e historiador alemão Carsten Krohn (2013) escreveu que, em Brasília, Niemeyer criou espaço urbano como se ele fosse feito de um único molde (p. 40). Segundo o texto de Krohn (2013), foi com grande decepção que Niemeyer se viu, então, obrigado a acompanhar as mudanças que se seguiram em Brasília (p. 41). O raciocínio de Krohn foi baseado em uma conversa que ele teve com o arquiteto em 2002. Na época, Niemeyer (in Krohn, 2013) reclamou do Plano Piloto de Brasília, dizendo que havia um plano no começo, mas que os tempos em que a cidade tinha uma unidade arquitetônica se acabaram (p. 41). A indignação do arquiteto se deu, sobretudo, em relação ao Setor Bancário, onde, segundo ele, os bancos tentaram estabelecer uma condição que não funcionou (Niemeyer apud Krohn, 2013, p. 41). Embora Krohn (2013) não tenha dado mais detalhes sobre a entrevista, a manifestação de Niemeyer foi suficiente para que ele concluísse o ensaio afirmando que a visão urbana do arquiteto já não era mais compatível com as realidades sul-americanas (p. 42).

Tal impressão de fracasso causada por descompassos entre plano e realidade (seja esta realidade política, econômica ou social), materializada pelas mudanças que o Plano Piloto de Brasília sofreu ao longo do tempo, não é uma interpretação isolada, e sim uma avaliação comumente compartilhada por diferentes estudiosos e historiadores ao longo tempo. Desde o livro Two Brazilian Capitals: Architecture and Urbanism in Rio de Janeiro and Brasília (1973), de Norma Evenson, diferentes relatos abordam as mudanças no Plano Piloto de Brasília, abrangendo desde a inserção de diferentes tipos de edifícios nas superquadras, como no texto de Charles Wright e Benamy Turckienicz, Brasilia and the Ageing of Modernism (1988), o adensamento de alguns trechos, como colocou Richard J. Williams em Review: Brasilia after Brasilia (2007), e até mesmo o acréscimo de elementos nos setores do Eixo Monumental, como comenta mais recentemente Carlos Eduardo Comas (2017) em Brasilia: Lucio Costa .

 

 

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Figura 1. Fotografia da maquete do Setor Bancário do Plano Piloto de Brasília, 1957. Maquete do Setor Bancário do Plano Piloto de Brasília [fotografia], por Mário Fontenelle, 1957. Arquivo Público do Distrito Federal, Brasília, Brasil.

 

Mudanças, e certo fracasso do plano, parecem ainda mais evidentes quando se compara o Setor Bancário do Plano Piloto com as fotografias de sua maquete (Figura 1). Essas imagens – talvez as mais reproduzidas sobre o centro de Brasília na época de sua inauguração1 – mostram uma maquete montada com edifícios idênticos como se fossem mesmo feitos a partir de um único molde. Tal esquematismo de representação pode ser a razão pela qual a crítica Sibyl Moholy-Nagy, ainda em 1959, descreveu o arranjo de edifícios como anacrônico, cópias de ideias de Le Corbusier, que, ele mesmo, já havia descartado (p. 88); e, possivelmente, o motivo de alguns catálogos sobre a obra de Niemeyer, a exemplo de Niemeyer: poète d’architecture (Petit, 1995) e Niemeyer 100 (Lagàna & Lontra, 2008), relatarem o setor como um projeto não realizado.

Mas o que aconteceu? Argumentos sobre o fracasso do plano, ou descrições sobre as diferenças entre a realidade planejada e a executada, ajudam a reconhecer as distâncias entre como as cidades são imaginadas e como são, efetivamente, construídas; mas não ajudam a entender as decisões de planejamento por trás de tais incompatibilidades. Como as exposições Casablanca Chandigarh: a report on modernization (Avermaete & Casciato, 2014) e Twilight of the Plan: Chandigarh and Brasilia (Casciato & von Moos, 2007) demonstraram, esses argumentos não revelam detalhes que possam oferecer uma melhor compreensão da cidade pensada pela arquitetura moderna. Um desses detalhes é que Niemeyer (2006, p. 18) optou por não projetar os edifícios do Setor Bancário do Plano Piloto – incluindo aqueles importantes, como as sedes do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Em vez disso, o arquiteto preferiu gerenciar a contribuição de diferentes colaboradores, em um desenvolvimento a ser feito ao longo do tempo. Seguindo esse procedimento, o Setor Bancário, conforme construído, de fato mudou em relação à maquete. Mas, em vez de descrever o descompasso como falha do plano, este texto explica a decisão de Niemeyer como uma decisão de planejamento – e que pode ser entendida pelo exame, não do Setor Bancário em si, mas, justamente, das fotografias de sua maquete. Essas fotografias circularam em diferentes contextos, como publicações oficiais e trocas informais de cartas. Elas foram utilizadas como propaganda ao mesmo tempo em que foram apontadas pela crítica como exemplo de fracasso do urbanismo moderno. Elas foram objeto de interpretações em constante mudança para finalmente se tornar uma ferramenta de controle do desenvolvimento da área.

 

As fotografias do Setor Bancário na revista Brasília e o posterior desenvolvimento do Plano Piloto de Lucio Costa

As fotografias da maquete do Setor Bancário aparecem pela primeira vez em 1957, na edição de novembro da revista Brasília. A revista foi criada para atender a Lei N. 2.874, feita a pedido do presidente Juscelino Kubitschek.2 Essa mesma lei também estabeleceu a empresa imobiliária Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, ou Novacap – a construtora que ergueria Brasília no meio do Brasil. A lei exigia informações mensais sobre as decisões administrativas e contratos da Companhia. A revista cumpriu essa obrigação com a vantagem de servir como propaganda governamental, favorecendo a construção da capital em meio à oposição política.3 Assim, além do boletim administrativo, a revista também estava repleta de reportagens fotográficas sobre o andamento das obras de Brasília e textos que defendiam a importância da mudança da capital.

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Figura 2. Capa da revista Brasília, ilustrada com uma fotografia da maquete do Setor Bancário tirada como vista de topo. Reproduzido de Brasília: revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, projeto gráfico de Armando Abreu e Hermano Montenegro, 1957, novembro. Biblioteca Digital do Senado Federal, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506960, CC BY-NC-SA 3.0 BR.

 

A edição de novembro exemplifica essa agenda pró-Brasília da revista. Ela abre com uma manifestação de Lídio Lunardi (1957), então presidente da Confederação Nacional das Indústrias, comentando os trabalhos de construção e comparando a nova capital do Brasil com Washington e Camberra: “temos diante dos olhos exemplos edificantes, que demonstram como foi decisivo na evolução de vários povos o ato de mudar a sua Capital” (p. 1). O próximo texto, escrito pelo diplomata brasileiro Raul Bopp (1957), complementa: “a mudança da capital para o planalto mexe com a história. Põe o Brasil em novas bases. Encerra o ciclo político do litoral com o seu passivo de imprevidência e vícios de administração” (p. 15). O número se completa com uma reportagem sobre “a marcha da construção em Brasília” (1957), mostrando fotografias de máquinas, operários e pilhas de areia e brita, para apontar que as obras da Novacap “prosseguem em ritmo constante”: o “Palácio da Alvorada já se encontra com os trabalhos muito adiantados”, no Hotel de Turismo foi “concluída a montagem da estrutura metálica e executado todo o serviço de alvenaria”, enquanto as obras da Praça dos Três Poderes começavam com as fundações do Congresso Nacional (p. 3). As fotografias da maquete aparecem na capa, contracapa e no meio daquela revista, ilustrando a reportagem sobre o Setor Bancário e Comercial do plano de Lúcio Costa (1957) (Figura 2; Figura 3; Figura 4).

Estas fotografias contrastam com a realidade das obras ao mostrar o setor com o rigor de um desenho técnico. Tiradas pelo fotógrafo brasileiro Mário Fontenelle,4 elas simulam vistas de topo, frente, além de uma perspectiva isométrica. Estas imagens retratam 17 edifícios dispostos sobre uma plataforma trapezoidal. Um grupo de onze edifícios, cada um com 16 pavimentos, foi organizado como um tabuleiro de xadrez preso a uma marquise quadrada. Três edifícios mais altos, com 20 pavimentos de altura, foram dispostos em linha, implantados no lado oposto da plataforma, e unidos por uma passagem coberta destinada a pedestres. Um conjunto de dois edifícios, ligados por uma base compartilhada, foi inserido nesse grupo. Ao centro, um edifício maior se destaca e insere um foco central na composição do setor. Outra passagem coberta cruza na frente e unifica o sistema. Em todos esses arranjos, porém, os edifícios foram representados de forma idêntica: blocos retangulares sustentados por pilares robustos, em que as fachadas menores são cegas, e as maiores definidas pela transparência das aberturas. Automóveis colados nas bordas da maquete sugerem circulação veicular separada da de pedestres, e limitada à periferia.

A reportagem não localizou o Setor Bancário no Plano Piloto e nem informou a orientação solar ou o nível de implantação. Mas acrescentou um texto para explicar o setor como um projeto de Niemeyer:

Enquanto Brasília vai tomando forma e já se percebem nitidamente os primeiros sintomas do Plano Piloto de Lucio Costa, como os dois eixos cruzando-se em ângulo reto, as amplas avenidas sem cruzamentos, o eixo arqueado, pistas centrais e laterais, os centros cívicos e administrativo e todos os demais setores (cultural, bancário, comercial, etc.) e, principalmente, o terrapleno triangular, sobrelevado na campina circunvizinha, destinado à Praça dos Três Poderes, no Departamento de Arquitetura da Novacap vão sendo projetados os edifícios básicos que darão unidade e estilo arquitetônico ao conjunto destinado aos poderes públicos.

Publicando neste número alguns aspectos do setor bancário-comercial, grupo de edifícios, rampas e subsolos de Oscar Niemeyer, transcrevemos também a parte do relatório de Lucio Costa que trata desse setor. (O setor bancário e comercial do plano de Lúcio Costa, 1957, p. 11)

 

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Figura 3. Contracapa da revista Brasília, ilustrada com uma fotografia da maquete do Setor Bancário tirada como vista frontal. Biblioteca do Senado Federal. Reproduzido de Brasília: revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, projeto gráfico de Armando Abreu e Hermano Montenegro, 1957, novembro. Biblioteca Digital do Senado Federal, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506960, CC BY-NC-SA 3.0 BR.

 

Figura 4. Fotografia da maquete do Setor Bancário ilustrando a reportagem sobre o Setor Bancário e Comercial do Plano Piloto de Brasília. Reproduzido de Brasília: revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, projeto gráfico de Armando Abreu e Hermano Montenegro, 1957, novembro. Biblioteca Digital do Senado Federal, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506960, CC BY-NC-SA 3.0 BR.

 

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Figura 5. Setor Bancário de Costa, tal como proposto no Plano Piloto de Brasília em 1957. Plano Piloto de Brasília [Manuscrito], Lucio Costa, 1957. Casa de Lucio Costa, Rio de Janeiro, Brasil, III.B.02-03364.

 

Estranhamente, o projeto de Niemeyer foi seguido pela descrição do Plano Piloto de Costa sobre a área, embora Niemeyer tenha reformulado totalmente o esquema. No Plano Piloto de Costa, o Setor Bancário foi concebido como uma sequência de três edifícios altos alternados com quatro baixos. O arquiteto havia desenhado esses edifícios como barras alongadas que cruzariam o setor “ligados por uma extensa área térrea com mezanino para comunicação coberta e espaço para colocar agências bancárias, escritórios de empresas, bares e restaurantes” (Costa, 1957, p. 9) (Figura 5). Embora o projeto de Niemeyer retomasse o desenvolvimento do setor, preservando uma combinação de edifícios altos e baixos conectados por áreas cobertas, modificou fortemente sua composição. Marquise e seus edifícios, o edifício central e os mais altos ladeados por faixa pedestre organizaram três situações diferentes com densidades variáveis, que abordam o setor como uma área de transição entre a escala controlada do Eixo Rodoviário-Residencial para a amplitude do Eixo Monumental. Além disso, a colocação de um edifício maior no centro da composição impôs uma hierarquia interna não prevista nos desenhos de Costa. O esquema mistura repetição e exceção, abordando tanto o burburinho comum dos centros das cidades quanto a espacialidade necessária para o monumento. O projeto de Niemeyer para o Setor Bancário não deixa de ser um exercício compatível com as discussões sobre formas de abordar a monumentalidade e o controle do ambiente construído que aconteciam nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) desde meados dos anos quarenta.5

 

Conversas entre Oscar Niemeyer e Sigfried Giedion

Um ano depois da publicação de Brasília, Niemeyer enviou as fotos da maquete para Sigfried Giedion por meio da Embaixada do Brasil em Berna (Figura 6; Figura 7). No arquivo do historiador, professor e ex-secretário-geral do CIAM,6 essas fotos foram reunidas ao lado das maquetes do Congresso Nacional, do Palácio da Alvorada, do Palácio do Planalto, do Palácio da Justiça e da Capela Nossa Senhora de Fátima. Niemeyer também enviou um manuscrito em francês de um texto que havia escrito sobre sua obra, intitulado Témoignage7. Nesse texto, o arquiteto explica que seu trabalho em Brasília definiu mais um capítulo de sua carreira. Ele agora estava mais interessado em soluções compactas, simples e geométricas; e, na nova cidade, concentrou sua atenção no problema do edifício isolado com o Palácio da Alvorada, do edifício monumental com o Congresso Nacional, mas, também, na solução de conjunto, que exigia harmonia e unidade, como a dos palácios da Praça dos Três Poderes (Niemeyer, 1958a).

Na mesma pasta das fotos, Giedion também guardava dois folhetos da exposição Brasília, elaborada pela Divisão Cultural do Ministério das Relações Internacionais do Brasil. Naquela época, a exposição acontecia em Bruxelas, Milão, Genebra, Berlim, Munique, e, também, em Zurique – esta última mediada por Raul Bopp, que trabalhava como embaixador do Brasil na Suíça (Maurício, 1958, p. 8). Semelhante à revista Brasília de 1957, os folhetos da exposição organizavam uma narrativa que evoluía dos motivos da mudança da capital para a descrição do Plano Piloto de Costa. Mas, em vez de fotos de construção, a sequência de imagens terminava com uma visão geral das obras de Niemeyer. O destaque foi para as fotografias das maquetes dos palácios do Eixo Monumental, publicadas em sequência. A foto da maquete do Setor Bancário foi disposta logo depois da Praça dos Três Poderes, finalizando os trabalhos do arquiteto (Figura 8). Abaixo da fotografia, uma nota em francês explicava que o Setor Bancário de Brasília terá um grupo de edifícios de mesmo gabarito; a em inglês colocava que os edifícios terão desenho parecido (Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, 1958).

O material era interessante para Giedion. Em 1958, o historiador dividia sua atenção entre os seminários em Zurique e os que ele conduzia na Universidade Harvard, em Cambridge, e que discutiam a escala humana no desenho urbano.8 Antes da carta de Niemeyer, ele já usava Brasília como assunto central dos seminários americanos. Nas atas da segunda edição, Giedion e os estudantes descreveram a cidade a partir do cruzamento dos Eixos Monumental e Rodoviário-Residencial, onde se agrupavam, justamente, os bancos e os edifícios de grandes empresas (Schaber in Giedion, Sert, & Sekler, 1958, second meeting, p. 3). Elaboraram análises comparativas, especulando a relação entre os tamanhos do Eixo. Monumental e o mall de Washington, entre o Eixo Rodoviário-Residencial e a 5ª avenida de Manhattan, entre a superquadra e a unidade de habitação que Le Corbusier projetou e construiu em Marselha. Também se estenderam em discussões comparando Brasília e Chandigarh.9O argumento era que, no caso de Brasília, a cidade era mais bem explicada pelos desenhos do que pelo texto, mesmo que um plano traçado com precisão não estivesse disponível no momento (Giedion et al., 1958, second meeting, p. 2). Entenderam que, com o material de que dispunham, não conseguiriam responder questões relacionadas ao desenvolvimento futuro do plano, ao tratamento das áreas circundantes, e nem mesmo sobre a adaptação do plano aos diversos conjuntos de interesses que caracterizam uma cidade (Giedion et al., 1958, second meeting, p. 3). Com isso, concluíram que o Plano Piloto de Brasília era um esquema, um esboço elaborado em plano (Zimmer in Giedion et al., 1958, fifth meeting, p. 2). Um dos alunos se opôs a uma estratégia de projeto que concentrou tudo em torno da interseção de dois eixos (Sprague in Giedion et al., 1958, fifth meeting, p. 1); outro afirmou que a cidade desmoronaria se não fosse construída toda de uma vez (Zimmer in Giedion et al., 1958, fifth meeting, p. 2).

Giedion (1958) respondeu para Niemeyer agradecendo as fotografias, os planos e os panfletos enviados, e comentando que o problema do Plano Piloto de Brasília o interessava desde quando viu, pela primeira vez, os desenhos para a nova capital. Elogiou o Palácio da Alvorada, que era simples e forte, mas criticou o plano de Costa. Escreveu que não compreendia por que o arquiteto havia montado a cidade em dois eixos, criando dificuldades em vez de soluções. Giedion não comentou sobre o Setor Bancário. Frente aos documentos enviados, e depois das discussões do seminário, o historiador explicou para Niemeyer que entendia a cidade como conjunto unificado, projetada em escala desajustada, e estruturada por um esquema que romantizava a técnica. No fim, recomendou que Niemeyer mudasse o plano para evitar algum fracasso urbanístico.

 

Figura 6. Fotografia da maquete do Setor Bancário guardada por Giedion. Maquete do Setor Bancário [Fotografia], por Mário Fontenelle, 1957. gta/ETH archives, Zurique, Suíça, 43-F-B-336: 6.

 

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Figura 7. Fotografia da maquete do Setor Bancário guardada por Giedion. Maquete do Setor Bancário [Fotografia], por Mário Fontenelle, 1957. gta/ETH archives, Zurique, Suíça, 43-F-B-336: 7.

 

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Figura 8. Panfleto da exposição Brasília, mostrando a fotografia da maquete do Setor Bancário como final da sequência de trabalhos de Niemeyer. Reproduzido de Brasília, Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, 1958. gta/ETH archives, Zurique, Suíça, 43-F-B-336:19.

 

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Figura 9. Verso da edição de junho de 1958 da revista Brasília mostrando uma fotografia da maquete do Setor Bancário em uma versão colorida. Reproduzido de Brasília: revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, projeto gráfico de Armando Abreu e Hermano Montenegro, 1958. Biblioteca Digital do Senado Federal, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506975, CC BY-NC-SA 3.0 BR.

 

Propaganda de venda de lotes

Enquanto Giedion e Niemeyer trocavam correspondências, as fotografias da maquete para o Setor Bancário reapareciam no verso das edições de junho a novembro de 1958 da revista Brasília, impressas em versões coloridas (Figura 9). Arranjadas no centro da página, elas ilustravam o texto: “Adquira seu terreno em Brasília. Nos setores residenciais, comerciais, bancários e na zona hoteleira. Informações na sede da Novacap em Brasília e nos escritórios regionais da companhia”. Antes dessas fotografias, a revista utilizava um mapa parcial do Plano Piloto, que suprimia os edifícios do Eixo Monumental e apresentava as quadras do Eixo Rodoviário-Residencial, assim como o Setor Bancário da maquete, como áreas disponíveis para venda (Figura 10). As fotografias coloridas vieram em seguida, para propagandear a comercialização dessas áreas.

A venda de áreas era uma tentativa da Novacap de autofinanciar a construção de Brasília, mas também uma maneira de incluir a participação da iniciativa privada na construção da cidade. No relatório de 1957, Costa era contra lotear as quadras do Eixo Rodoviário-Residencial, mas favorável ao parcelamento em “subsetores e unidades autônomas” dos setores bancários e comerciais, desde que projetados previamente (pp.15-16). O parcelamento e a venda de áreas centrais aconteceram nos anos que se sucederam. Os noticiários e boletins da companhia acusavam a venda de “lotes”, de acordo com um “compromisso de compra e venda de lotes urbanos em Brasília”, aprovado em setembro de 1957 (Boletim, 1957, p. 24). Em outros momentos, a venda que se fazia era de “terrenos”, como colocou uma das reuniões do conselho administrativo da companhia (Sumário dos assuntos tratados, 1958, p. 19). De toda forma, Kubitschek (2000) festejou quando escreveu em suas memórias que a comercialização de áreas da cidade, mesmo antes de sua inauguração, “despertava o maior interesse”:

Em fins de 1958, já haviam sido adquiridos oitocentos e doze terrenos comerciais, onze para edifícios de apartamentos, excluídos os cento e quarenta e três destinados aos institutos e caixas; trinta e um para edifícios bancários; além de várias áreas para escolas e colégios. A receita prevista era de cerca de vinte bilhões de cruzeiros, mais que suficientes para as obrigações da Novacap, tornando-se Brasília, assim, um empreendimento cujos gastos seriam perfeitamente cobertos com a venda de suas áreas disponíveis. (p. 216)

 

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Figura 10. Verso da edição de janeiro de 1958 da revista Brasília mostrando um mapa do Plano Piloto com as áreas disponíveis para venda. Reproduzido de Brasília: revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, projeto gráfico de Armando Abreu e Hermano Montenegro, 1958. Biblioteca Digital do Senado Federal, http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506975, CC BY-NC-SA 3.0 BR.

 

Expressão de “unidade urbana”

Preocupado com o volume de vendas ou, talvez, com o controle da intervenção da iniciativa privada na construção da cidade, é que Niemeyer publicou o artigo Unidade urbana na edição de fevereiro de 1959 da revista Módulo. Ali, o arquiteto escreveu que um dos grandes problemas do urbanismo de então era garantir a “unidade arquitetônica”, sobretudo frente às múltiplas possibilidades compositivas permitidas pelos avanços técnicos (Niemeyer, 1959, p. 3). Como exemplo a ser seguido, citou as ruas centrais das “velhas cidades da Europa”, em que os edifícios, mesmo “construídos sem um plano de conjunto preestabelecido, tão bem se completam” (Niemeyer, 1959, p. 3). E, como crítica, escreveu que,

Nas cidades modernas, a arquitetura contemporânea – seduzida pela técnica que tudo permite realizar – perdeu essa condição inicial que a recomendava, para se reduzir nos setores urbanos a um aglomerado de prédios – alguns de alto nível se considerados isoladamente – que, nada tendo de comum entre si, provocam deplorável aspecto de confusão e desarmonia.

São edifícios de alturas e volumes diferentes, erguidos uns contra os outros, constituindo verdadeiras cortinas de concreto, de formas indefinidas e recortadas, sobre as quais se destacam outras construções, destinadas à caixa d’água, elevadores, etc. Mas a desordem arquitetônica começa mesmo no pavimento térreo, pela variedade incrível de formas, volumes e revestimentos como pedra, mosaicos, murais, etc. E continua depois no próprio corpo das fachadas, destacadas do conjunto pela mesma variedade de tratamento. (Niemeyer, 1959, p. 4)

Cabe notar que Giedion havia desenvolvido um argumento parecido em Espaço, tempo e arquitetura (2004).10 Naquele livro, o historiador escreveu que “períodos incapazes de chegar a uma visão consistente do mundo são também incapazes de realizar o tipo de planejamento urbano que vai além da mera colcha de retalhos” (Giedion, 1959, p. 731). Ele se referia à cidade construída pela abordagem especializada do século XIX, e defendia que, contra ela, uma “nova visão universal” era necessária (Giedion, 1959, pp. 731-732). Argumentou que “em tempos em que há uma visão universal que repousa numa tradição longa e sólida, o planejamento urbano é considerado uma consequência lógica” e produz trabalhos de qualidade elevada mesmo entre arquitetos desconhecidos e especuladores (Giedion, 1959, p. 732). Como exemplo, citou o projeto da Rue de Rivoli, em Paris, dos arquitetos Charles Percier e Pierre Fontaine, que, encomendado por Napoleão I, complementava intervenções na margem direita do Rio Sena, como o Jardim das Tulherias, implantado por Luís XIV, e a Praça da Concórdia, construída por Luís XV. A rua demandava o projeto de casas e comércio, com vistas para o jardim. Os arquitetos resolveram o problema desenhando um conjunto de edifícios de cinco pavimentos de altura, estendido ao longo do comprimento do parque. Apartamentos ocupariam os pisos superiores enquanto comércio preencheria os usos do térreo. Ali, arcadas contínuas garantiriam proteção ao clima, mas, sobretudo, unidade frente à diversidade das lojas. Perspectiva, seção e elevação acompanhavam a descrição do projeto (Figura 11).

Niemeyer incluiu a mesma perspectiva da Rue de Rivoli publicada por Giedion, assim como uma fotografia da maquete do Setor Bancário de Brasília para ilustrar sua tese. No artigo, elas compunham uma sequência de imagens que contrastavam a unidade urbana desejada com a desordem das “cidades modernas” (Figura 12; Figura 13). O arquiteto juntou a gravura da Rue de Rivoli, com uma da Praça do Rossio, em Lisboa, para comentar que, se na primeira, a unidade urbana foi decisão deliberada de projeto, na segunda, foi alcançada pela cultura de seus construtores. Dali, trouxe a comparação para o Brasil com duas fotografias de ruas antigas do centro do Rio de Janeiro contra uma vista aérea daquela mesma parte da cidade, em que a unidade havia se perdido com a evolução do tempo e das técnicas. Por fim, retomou a fotografia da maquete do Setor Bancário para expressar o desejo de que Brasília poderia ser diferente. A cidade poderia servir como influência disciplinadora, “fixando volumes e espaços livres e, principalmente, restabelecendo entre os arquitetos a preocupação da unidade” (Niemeyer, 1959, p. 4).

 

Figura 11. Rue de Rivoli conforme publicada em Espaço, tempo e arquitetura de Sigfried Giedion. Reproduzido de Space, Time and Architecture, Sigfried Giedion, 1959, p. 615.

 

Figura 12. Páginas do artigo de Niemeyer que incluem a perspectiva de Giedion junto a outras imagens. Reproduzido de Unidade urbana, Oscar Niemeyer, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 1959, pp. 2-3.

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Figura 13. Páginas do artigo de Niemeyer que incluem a perspectiva de Giedion junto a outras imagens. Reproduzido de Unidade urbana, Oscar Niemeyer, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 1959, pp. 4-5.

 

Ferramenta de controle

Um artigo no número seguinte da revista Módulo exemplificou o argumento de Niemeyer. Juntamente com as fotos da maquete do Setor Bancário (Figura 14), a publicação destacava que “o centro comercial de Brasília divide-se em quatro setores, em torno da Plataforma Central”, informando que “o setor cujo desenvolvimento foi feito por Oscar Niemeyer e que se vê em seguida é o SE, dito Bancário, em virtude da ‘dominância’ caber às atividades dos estabelecimentos de crédito” (Setor Bancário de Brasília, 1959, p. 8). Dali, a revista explicou o setor como “um conjunto de edifícios interligados por marquises”, que pelas “condições topográficas”, se deu por cima de uma plataforma nivelada com o Eixo Rodoviário-Residencial e sobrelevada “ao resto do terreno circundante, marcando com um terrapleno sua definição urbanística, conforme o Plano Piloto previra” (Setor Bancário de Brasília, 1959, p. 8). Debaixo da plataforma, o subsolo teria entrada pública e se completaria por garagens, maquinário, caixas-fortes, cofres. No térreo, o desenvolvimento seria mais livre, e, debaixo das marquises projetadas, lojas complementariam “as necessidades de uma zona de trabalho”, com “restaurante, papelaria, etc.” (Setor Bancário de Brasília, 1959, p. 8).

Na sequência, a revista também publicou breves reportagens sobre três edifícios: o Palácio do Comércio, o Edifício Seguradoras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Esses edifícios foram projetados por arquitetos afastados dos trabalhos oficiais de Brasília, e demonstrados pela revista com textos descritivos que parecem ressoar com o discurso de unidade urbana de Niemeyer. Ali, Eduardo Kneese de Mello e Carlos J. Sena (1959) explicaram que o Palácio do Comércio foi encomendado pela Confederação Nacional do Comércio, e projetado com economia na variedade de materiais e formas: as paredes laterais seriam de “mármore branco picotado”, as “colunas e o corpo dos elevadores, de mármore preto”, e a laje de cobertura não teria “corpos salientes” (p. 10). Antônio Pedro Souza e Silva (1959), que desenhou o Edifício Seguradoras para o Instituto de Resseguros do Brasil, escreveu que “a grande sobriedade de linhas” era a característica principal daquele projeto (p. 13). Já Alcides da Rocha Miranda, Elvin Mackay Dubugras e Fernando Cabral Pinto (1959) colocaram que a sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico foi resolvida somente tendo em vista a necessidade burocrática de pequenos escritórios (p. 14).

 

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Figura 14. Fotografias da maquete do Setor Bancário ilustram a reportagem sobre o setor publicada na revista Módulo. Reproduzido de Setor bancário de Brasília, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 3(13), pp. 8-9.

 

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Figura 15. O Palácio do Comércio, tal como publicado na revista Módulo. Reproduzido de Palácio do Comércio, Eduardo Kneese de Mello e Carlos J. Sena, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 3(13), pp.10–11.

 

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Figura 16. O Edifício Seguradoras, tal como publicado na revista Módulo. Reproduzido de Edifício “Seguradoras" em Brasília, Antônio Pedro Souza e Silva, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 3(13), pp. 12-13.

 

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Figura 17. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, tal como publicado na revista Módulo. Reproduzido de Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico em Brasília, Alcides da Rocha Miranda, Elvin Mackay Dubugras e Fernando Cabral Pinto, 1959, Módulo: revista de arquitetura e artes plásticas, 3(13), pp. 14-15.

 

Fotografias de maquetes, plantas e cortes complementaram as informações dos textos. Naqueles documentos, o Palácio do Comércio foi representado como um edifício de 45 metros de comprimento, 16 de largura, desenvolvido em 17 pavimentos-tipo, térreo, subsolo e cobertura, e encaixado em uma marquise (Figura 15). O pavimento-tipo foi desenhado como planta livre enquanto auditório, depósitos e garagens, preencheriam a planta de subsolo. Já o Edifício Seguradoras teria 35 metros de comprimento, 16 de largura e 12 pavimentos-tipo e cobertura, por cima de um térreo de planta quadrada (Figura 16). O pavimento-tipo foi subdividido para acomodar recepção, salas para espera e escritórios, enquanto a cobertura seria ocupada por auditório, restaurante, bar e jardins. Por fim, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico foi desenhado com 50 metros de comprimento, 16 de largura, e 18 pavimentos-tipo, mais térreo, sobreloja, subsolo e cobertura (Figura 17). O acesso principal daquele edifício seria destacado por um espelho d’água, embaixo do qual os arquitetos desenharam um auditório, em corte semelhante ao do Palácio do Comércio.

Tal como arranjado pela revista, essas pequenas reportagens sobre os edifícios pareciam organizar um dossiê sobre a ocupação do Setor Bancário: a sequência publicada sugere que esses edifícios preencheriam os volumes determinados pela maquete. Seguindo essa interpretação, cada volume funcionaria como um ‘subsetor’ ou ‘unidade autônoma’, conforme recomendação de Costa. Coincidiriam com as ‘parcelas’ comercializadas pela Novacap.


 

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Figura 18. Fotografia área do Setor Bancário tal como ele se encontra hoje. [Fotografia área do Setor Bancário, Brasília, Brasil], imagem retirada de Google Earth Pro, 7.3.6.9345, em 7 de junho de 2023.

 

Conclusão

O setor foi construído aos poucos nos anos seguintes. O Edifício Seguradoras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico foram concluídos em 1961. Também em 1961, o arquiteto Nauro Jorge Esteves inaugurou a Caixa de São Paulo – primeiro edifício a ocupar sequência de volumes unidos por marquise quadrada. A Sede do Banco do Brasil, projetada por Ari Garcia Roza, Ivo de Azevedo Penna e Aldo Garcia Roza, preencheu o volume central em 1962. Em 1965, já funcionava o Banco de Crédito da Amazônia de Marcelo Roberto, Milton Roberto e Maurício Roberto, implantado na sequência de edifícios altos ao lado do Eixo Monumental. Todos esses edifícios seguiram os volumes prescritos pela maquete. Completaram parcialmente o Setor Bancário e sua plataforma, respondendo ao que Niemeyer (2006) chamou depois de “normas e princípios”, que, em Brasília, foram estabelecidos para controlar volumes, alturas, materiais de acabamento externo, etc., “com o objetivo de evitar, entre outros inconvenientes, as tendências formalistas que vêm desvirtuando a arquitetura brasileira” (p. 3).11

Este tipo de construção feita ao longo do tempo e por diferentes arquitetos produziu um setor diferente da maquete, que, ainda hoje, não está concluído (Figura 18). Áreas vazias, edifícios inacabados, volumes não planejados compõem o cenário. O conjunto de edifícios unidos por marquise quadrada foi construído pela metade. Áreas abandonadas interrompem a circulação de pedestres. Edificações agregadas, como a terceira Sede do Banco do Brasil, projetada por Hélio Ferreira Pinto em 1975, inseriram novos volumes e desorganizaram o esquema da maquete. Não é à toa que, para Niemeyer, o setor não deu certo.

Se a construção fragmentada não garantiu a conclusão do setor e inseriu novas formas de ocupação, também discutiu as primeiras interpretações das fotografias da maquete como descrição de um projeto unitário. Apresentada em revistas e exposições, ao lado de fotografias dos palácios desenhados para o Eixo Monumental, os críticos rapidamente associaram a maquete a um arranjo fixo e predeterminado. Tal ideia corresponde às primeiras aproximações da cidade pensadas pela arquitetura moderna, especialmente no contexto CIAM da cidade funcional. Associações com as versões de Le Corbusier de centros urbanos equipados com arranha-céus empresariais, como expresso na Cité Contemporaine ou mesmo na Ville Radieuse, foram uma resposta direta e intuitiva, como mostra a crítica de Sibyl Moholy-Nagy.

É possível que a interpretação da maquete como representação de um setor unitário correspondesse às intenções iniciais do projeto de Niemeyer. Tal representação, porém, transformou-se em ferramenta quando as fotografias da maquete foram utilizadas como propaganda para vender lotes e partes do Plano Piloto. Nesse contexto, Niemeyer usou as fotos da maquete como exemplo de unidade urbana a ser alcançada. Possivelmente apoiado na ideia de “atitude universal” de Giedion, o arquiteto utilizou as fotos como um instrumento de controle para as construções no setor.

Perceber as fotografias da maquete do Setor Bancário como uma ferramenta adiciona novas camadas de complexidade ao Plano Piloto de Brasília. Informa que tal maquete fez parte não de um projeto inteiramente estanque e unitário, mas de um projeto em construção, suscetível a mudanças, adaptações e à incorporação de novos elementos e interpretações. Reconhecer o processo, em vez de apenas confrontar as ideias iniciais com os resultados atuais, sugere um debate mais assertivo sobre as possibilidades e limitações do Plano Piloto de Brasília e, eventualmente, da cidade imaginada pela arquitetura moderna.

 

Notas

1 As fotografias da maquete do Setor Bancário podem ser vistas em diversas publicações sobre o Plano Piloto de Brasília entre 1957 e 1960. Alguns exemplos são: Arquitetura e urbanismo: o Setor Bancário e Comercial do Plano de Lúcio Costa, 1957, pp. 10-11; Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, 1958, p. 20; Mario Dias Costa et. al., 1958; Orico, 1958, p. 169; Brasilia, nouvelle capitale du Brésil, 1958, p. 64; Bonet, 1958, p. 95; Acosta, 1960, p. 235.

2 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), nascido em Diamantina, Minas Gerais, foi eleito presidente para o mandato 1956-1961. Prometeu seguir a Constituição Brasileira de 1946, incluindo o artigo que estabelecia a transferência da capital para o centro geográfico do país.

3 Sobre a oposição política enfrentada pelo mandato de Kubistchek, ver: Bojunga, 2010.

4 Mário Moreira Fontenelle (1919-1986), natural de Parnaíba, Piauí, ex-mecânico de aviões, tornou-se o fotógrafo presidencial e um dos primeiros a documentar a construção de Brasília. Ver: Seligman e Beatriz Vilela (2012), p. 35.

5 Nos arquivos do CIAM, uma nota, provavelmente escrita por Giedion durante o CIAM VII (1949), coloca questões sobre o tema. Ver: The Impact of Social Developments, ca. 1949.

6 Giedion foi nomeado secretário do CIAM em 1928 e exerceu a função até 1957.

7 Témoignage foi publicado pela primeira vez como Depoimento na edição de fevereiro de 1958 da revista Módulo. Ver: Niemeyer, 1958b, pp. 3–6.

8 Os arquivos de Giedion guardam brochuras e transcrições preparadas para os seminários de Harvard que aconteceram entre 1957 e 1959. Os seminários examinaram a ideia da “escala humana" em estudos envolvendo desde relações antropomórficas a proposições urbanas. Ver: Giedion in Sert et. al. 1957.

9 Le Corbusier projetou Chandigarh como capital do estado de Punjab, na Índia, entre 1951 e 1953.

10 O livro Espaço, tempo e arquitetura havia sido publicado pela primeira vez em 1941, mas foi reeditado e alargado em 1954 e reimpresso em 1959. Para este texto, utilizo a versão em português editada pela Martins Fontes em 2004.

11 Esta ideia também pode ser encontrada no texto Forma e função na arquitetura, que Niemeyer escreveu em 1960 para a revista Módulo.

 

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Helena Bender

Arquiteta e Doutora em Arquitetura. Professora substituta na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Membro do grupo de pesquisa Estudos da Arquitetura Moderna Latino-americana, Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Sarmento Leite, 320, Porto Alegre-RS, Brasil, CEP: 90050-170.

bender.helena@gmail.com

https://orcid.org/0000-0003-0825-9714