REGISTROS, ISSN 2250-8112, Vol. 19 (1) enero-junio 2023
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A América Latina no Segundo Pós-guerra
Um ensaio sobre planeamento urbano-regional e habitação
Latin America in the Second Post-war: An essay on urban-regional planning and housing
Rodrigo S. de Faria
Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasil
Resumo
Este artigo analisa com lentes muito gerais, quase como um ensaio, o movimento de articulação entre urbanismo, habitação e planejamento para formular algumas indagações sobre a própria construção da ideia de América Latina. Nesse movimento, são importantes as aproximações entre o campo profissional da arquitetura e urbanismo com o campo da economia que convergiam com algumas instituições para formular um projeto de desenvolvimento autônomo para os países latino-americanos. Um projeto que permitiu o trânsito de profissionais por diversas instituições que foram criadas durante o século XX, entre elas, o CINVA, a SIAP, a OICI e a CEPAL, de onde surgiram propostas de desenvolvimento econômico industrial e de formação profissional em planejamento com foco, sobretudo, na problemática habitacional das cidades latino-americanas num contexto de intenso processo de urbanização.
Palavras-chave: América Latina, século XX, planejamento urbano e regional, habitação
Abstract
This article analyzes with very general lenses, almost like an essay, the movement of articulation between urbanism, housing and planning to formulate some questions about the very construction of the idea of Latin America. In this movement, the approximations between the professional field of architecture and urbanism and the professional field of economics that converged with some institutions to formulate a project of autonomous development for the Latin American countries are important. A project that allowed the transit of professionals between various institutions that were created during the 20th century, among them CINVA, SIAP, OICI and ECLAC, from where proposals for industrial economic development and professional training in planning emerged, with a focus, above all, on the housing problem of Latin American cities in a context of intense urbanization process.
Keywords: Latin America, 20th century, urban and regional planning, housing
Introdução: América Latina entre retrocessos persistentes e um futuro (sempre?) (in)certo
No final de 1967, em reunião realizada em Lima, no Peru, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) convocou estudiosos sobre a América Latina para realizarem uma série denominada América Latina en su Cultura. No início da década de 1970, os documentos resultantes dos encontros foram publicados em estudos temáticas sobre as artes plásticas e visuais, a música, a arquitetura e o urbanismo e as línguas indígenas. O primeiro estudo, dedicado à Literatura, foi publicado em 1972, em cuja introdução César Fernández Moreno (Moreno, 1972) apresenta uma indagação que, certamente, nos desafia até hoje. Sem qualquer tipo de rodeio ou retórica, vai ao centro do problema ao indagar “¿Qué es la América Latina?” (Moreno, 1972). E se não bastasse a complexidade que a pergunta carrega, afirmou, ainda, que a expressão América Latina “sigue siendo notoriamente imprecisa” (Moreno, 1972, p. 5). Na atual segunda década do século XXI, 50 anos após a publicação desse primeiro volume da série, conseguimos definir o que é América Latina? Essa ideia da imprecisão é correta? E, se sim, ela se mantém?
Cabe observar, no entanto, que o esforço e interesse em compreender o que é América Latina são bem mais antigos, passando, por exemplo, pelo poema Las dos Américas, publicado por José Maria Torres Caicedo, em Paris, França, no ano de 1857, ou, ainda, pelo poema América Latina, do poeta revolucionário Roque Antonio Dalton García, mais conhecido por Roque Dalton, nascido em San Salvador, no ano de 1935. O poema enuncia metaforicamente uma série de ações cotidianas de um poeta cuja vida, no entanto, acabaria sempre destroçada no áspero muro de un quartel.
A ideia de que a vida do poeta sempre acaba no muro de um quartel, deixa evidente o papel político que as forças armadas dos países latino-americanos exerceram, impondo rupturas institucionais que resultaram em longas e opressoras ditaduras no século XX. Esse papel político esteve recentemente vigente, na atualidade, se considerarmos, por exemplo, o caso brasileiro, cujas forças armadas insistiam (vão continuar insistindo?) em se colocar como poder moderador, tarefa que não existe nos termos da Constituição Federal do Brasil.
Em 1975, ano do assassinato de Roque Dalton por uma facção militar do Exército Revolucionário do Povo Indígena de El Salvador, muitos países da América Latina já estavam sob ditaduras civil-militares, entre eles Brasil, Uruguai, Peru, Nicarágua, Paraguai, Chile, o que pode explicar a visão pessimista do poeta sobre a vida acabar “no áspero muro de um quartel”. A imagem desse áspero muro, ao mesmo tempo metáfora e literalidade, também pode ser interpretada como marca que impõe divisão e separação às ações que sempre se caracterizaram por impedir que, aqui na América Latina, se forjasse um projeto emancipatório e politicamente autônomo. Essa marca da separação/divisão tem temporalidade histórica, que pode ser localizada no século XV, na ocasião da assinatura, entre Portugal e Espanha, em junho de 1494, do Tratado de Tordesilhas. Muito provavelmente, a primeira fratura que a modernidade ocidental eurocêntrica impôs ao território que, no mínimo desde meados do século XX, se entende como América Latina.
Diante desse cenário representado pela imagem da fratura, aos povos latino-americanos não faltaram ações caracterizadas por resistências a esse processo. México e Cuba foram, no século XX, os países que, por vias revolucionárias, percorreram, não sem dificuldades, o caminho de busca de um sentido emancipatório, enfrentando as imposições e fraturas da modernidade capitalista ocidental. Já no século XXI, ainda que por outras vias, mas não menos importante e com forte atuação popular, em 2019 o Chile se mostrava decidido a mudar, a “renascer”, naquele momento avançando sobre outra muralha, ali construída em associação com os muros dos quartéis da ditadura Pinochet: a muralha excludente e não menos autoritária do neoliberalismo. No entanto, infelizmente, o contexto político no atual ano de 2023 explicita um cenário completamente oposto ao que vimos em 2019: as forças reacionárias e de extrema-direita chilenas foram recolocados no centro decisório de revisão da Constituição, expondo o fracasso e/ou a fragilidade das forças democráticas para conduzir aquele desejo de “renascimento”.
Se 2019 se fechava com aquele desejo de transformação social e política que eclodia do Chile, recém entrado o ano de 2020, a pandemia provocada pela covid-19 só faria ampliar a tragédia social-econômica que também as elites nacionais latino-americanas impuseram aos trabalhadores com uma agenda de destruição-privatização do Estado e suas instituições; de eliminação de direitos social-trabalhistas; de precarização das condições de vida de grande parte da população. Aqui, novamente, o Brasil serve como exemplo desse projeto, associando ultra-neoliberalismo, conservadorismo moral-religioso e militarização da sociedade e do governo nacional durante o trágico e sombrio período do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro entre 2019 e 2022.
Diante desse cenário, é de grande relevância não apenas continuar os esforços de interpretação sobre o que é América Latina, mas, sobretudo, formular alternativas político-econômico-social-ambientais que recoloquem os interesses dos povos latino-americanos no centro das decisões governamentais. Nesse sentido, é notório que não temos como escapar à metáfora artístico-política de América Invertida formulada por Torres Garcia na década de 1940, ainda que muito desgastada, exatamente como imagem-metáfora da ideia de inversão da hegemonia que se estabeleceu por aquela modernidade ocidental. De outra forma, se o Tratado de Tordesilhas foi, talvez, a primeira decisão que se impôs sobre nós, com América Invertida de Torres Garcia, cinco séculos mais tarde, se vislumbraria a possibilidade de olharmos, para nós mesmos, de outra maneira que não aquela que nos foi imposta, ainda que as imposições externas, associadas aos interesses das elites nacionais, se façam permanentemente presentes e respaldadas ideologicamente com o uso da força militar.
Na mesma década de 1940, apenas cinco anos após a elaboração de América Invertida, é criada a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), primeira instituição a nominar seu lugar geopolítico-cultural, a América Latina, e seu lugar técnico-disciplinar, a economia. Sobre essa instituição, parece ser um consenso, mesmo com críticas ou divergências, na literatura oriunda das ciências sociais, humanas, econômicas e aplicadas, aqui incluindo a historiografia urbana, que a criação da CEPAL, em 1948, (re)configurou o debate continental sobre o (sub)desenvolvimento dos países latino-americanos no imediato pós-guerra. Como é de conhecimento geral, o eixo central das ideias sobre o subdesenvolvimento estava organizado numa proposta de industrialização para superar a pobreza e reduzir as diferenças entre países ricos e pobres. Tendo como estrutura intelectual as ideias inicialmente formuladas pelo argentino Raúl Prebisch, a Cepal apontava para a necessidade de construir a industrialização das economias latino-americanas com base na intervenção estatal e no planejamento.
Os arcabouços intelectual e político dessa concepção foram baseados em alguns pontos: na abordagem estruturalista sobre as causas da inflação; na balança de pagamento; na teoria do desenvolvimento periférico na relação centro-periferia; na observação sobre a deterioração dos termos de troca; na constatação da vulnerabilidade a ciclos econômicos resultantes da especialização em atividades de exportação, entre outros diversos pontos. Como formulado por Ricardo Bielschowsky, no seu clássico livro Pensamento econômico brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo (Bielschowsky, 1995), o planejamento era visto como procedimento indispensável à racionalização de um processo de industrialização até então espontâneo e anárquico. Tal espontaneidade teria se caracterizado, até a década de 1930, por um crescimento para fora e pela organização econômica especializada em poucas atividades exportadoras, com baixo grau de diversificação e complementariedade intersetorial.
Após 1930, o processo de desenvolvimento mudaria seu sentido, tornando-se, a partir de então, para dentro, mas mantida a industrialização espontânea. Sem perder de vista a importância dos processos históricos nacionais e suas especificidades, a observação formulada por Bielschowsky, para o caso brasileiro, pode, em termos gerais, indicar as mudanças preconizadas pela CEPAL para os demais países: a) A industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento; b) Não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional com as forças espontâneas do mercado, por isso a necessidade da ação do estado no campo do planejamento; c) O planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos para promover essa expansão; d) O estado deve orientar a expansão, captando e indicando o rumo dos recursos financeiros; promovendo investimentos diretos nos setores em que a iniciativa privada seja insuficiente.
Desde o momento de criação da CEPAL, no final da década de 1940, diversas e opostas interpretações foram realizadas sobre suas propostas-concepções, as quais, de alguma forma, permearam as discussões ocorridas entre as décadas de 1950 e 1970 sobre desenvolvimento; industrialização; urbanização; marginalidade; pobreza; etc. Como exemplos desses debates, no Brasil, sobressaem: o enfrentamento teórico-político entre os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) (Navarro de Toledo, 2005), particularmente Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos; e a chamada “sociologia da Universidade de São Paulo (USP)” com Florestan Fernandes; Fernando Henrique Cardoso; Octavio Ianni; entre outros; a crítica à razão dualista formulada por Francisco de Oliveira; a compilação de textos Cinquenta anos de pensamento da CEPAL (Bielschowsky, 2000); a análise sobre marxistas e a cidade de São Paulo, na década de 1940, apresentada por Pedro Arantes (Arantes, 2009).
Como exemplos em âmbito latino-americano, o trabalho El subdesarrollo latinoamericano y la teoría del desarrollo, de Osvaldo Sunkel e Pedro Paz (Sunkel e Paz 1970), e O estruturalismo latino-americano, de Octavio Rodriguez (Rodriguez, 2009), são referências fundamentais. Ainda em âmbito latino-americano, as considerações formuladas por Arturo Ardao no livro Genesis de la idea y el nombre de America Latina (Ardao, 1980) e no artigo Panamericanismo y Latinoamericanismo (Ardao, 1986) publicado na coletânea America Latina en sus ideas, amplia a lente de análise sobre a CEPAL para além das questões de economia e desenvolvimento, pois a problematiza na perspectiva político-cultural relacionada ao debate sobre o panamericanismo.
Segundo Ardao,
EI viejo “americanismo” de cuño hispanoamericano, después de 1890 quedó definitivamente desdoblado en panamericanismo y latinoamericanismo. Cada uno de estos movimientos siguió desde entonces su propia (aunque no independiente) evolución. Pasaron los dos por diversas etapas interpretadas de manera muy dispares, según el momento. En términos generales, se podría señalar el año de 1948 como mojón histórico para ambos, el más importante desde el punto de vista institucional después de 1890, aunque por razones distintas en uno y otro caso. En 1948, el panamericanismo experimenta su mayor transformación con su conversión terminológica en interamericanismo y la creación de la Organización de los Estados Americanos; en ese mismo año, el latinoamericanismo es acogido por primera vez em la denominación oficial de un organismo internacional, al constituirse en el seno de las Naciones Unidas la Comisión Económica para América Latina, Cepal. (Ardao, 1986, p. 166)
O argumento de Ardao permite diversas interpretações, mas, no momento, o interesse principal está na parte final, quando associa o “interamericanismo” com a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o “latinoamericanismo” com a CEPAL. Essa dupla associação pode ensejar uma análise político-ideológica e ainda indicar as genealogias histórico-culturais de ambas as instituições, mas interessa, principalmente, fazer uma observação que não tem relação direta com ambas e nem está no próprio texto de Ardao. Referimo-nos às instituições que foram criadas no continente, desde a década de 1930; essas, sim, concebidas para produzir conhecimento e ações em planejamento urbano e regional, em habitação; discutir questões relacionadas à economia urbana, ao desenvolvimento municipal etc. São elas, a Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal (OICI) (Faria, 2020); a División de Vivienda y Planeamiento (DVP); o Centro Interamericano de Vivienda y Planeamento (CINVA) (Aravecchia-Botas, 2012, 2019); e a Sociedade Interamericana de Planificación (SIAP) (Gorelik, 2022; Faria, 2016, 2022; Monti, 2017).
O que é oportuno observar diz respeito ao “interamericano” realçado no nome de todas essas instituições. Dizemos isso porque, ainda que majoritariamente criadas para atuar no âmbito da América Latina, não assumiram a mesma denominação que a CEPAL. Apenas a OICI, que é a instituição criada em decorrência do Primeiro Congresso Pan-americano de Municípios, realizado em La Habana, Cuba, no ano de 1938, teria assumido uma escala continental, ou seja, não teria se colocado como instituição a discutir unicamente os “problemas da América Latina”, mas do continente americano como um todo. Tanto que a reunião realizada para elaborar os Estatutos da OICI ocorreu em Chicago, Estados Unidos da América (EUA), em 1939, com a presença de profissionais do Chile; Argentina; Brasil; EUA; Cuba; Costa Rica; Equador; México; e Colômbia
A partir dessas breves observações, enunciamos duas perguntas sobre as quais não serão feitas considerações, mas deixadas em aberto para que possam produzir outras interpretações: Quais os sentidos político-ideológico-técnicos do uso de “interamericano” no nome dessas instituições? (FARIA, 2020). Como a organização dessas instituições pode reverberar/enunciar a hegemonia dos EUA em relação aos países latino-americanos? E, apenas para registro, é oportuno anotar que todas essas instituições (OICI, DVP, CINVA, SIAP) foram criadas antes da Revolução Cubana; a última delas, a SIAP, foi criada em 1956. E para fechar essa primeira parte mais geral destas considerações, recuperamos uma informação que consta em livro recentemente publicado por Alexandre de Freitas Barbosa sobre o tema O Brasil desenvolvimentista e a trajetória de Rômulo Almeida (Barbosa, 2021). Na parte do livro em que discute os debates e embates sobre o desenvolvimento, especialmente quanto ao tensionamento de ideias entre Guerreiro Ramos (sociólogo que estava vinculado ao ISEB, já mencionado anteriormente) e Florestan Fernandes (da Sociologia da USP) na década de 1950 – inclusive com reverberações do embate entre ambos no II Congresso Latino-americano de Sociologia, realizado em 1953, na cidade do Rio de Janeiro –, o autor apresenta uma ideia elaborada por Guerreiro Ramos sobre a CEPAL: com base em seu projeto de intervenção na realidade, no sentido do seu desenvolvimento, se produziria a “descolonização da economia latino-americana” (Barbosa, 2021, p. 356).
Assim como no caso da discussão sobre o interamericanismo-latinoamericanismo, essa observação anotada no livro de Alexandres Barbosa nos permite formular outra pergunta geral, qual seja, houve algum momento ou proposição, no campo do planejamento urbano e regional que seja possível pensar na atuação das instituições como algo que indicaria uma ideia de descolonização do urbanismo/planejamento urbano latino-americano? É possível que a pergunta em si não tenha nenhum sentido, mas abre um caminho que ajuda na problematização da própria historiografia urbana latino-americana que, de certa forma, entendeu a produção em urbanismo e planejamento urbano-regional como reverberação-transplante-viagem-importação das ideias forjadas alhures.
Entre a economia e o urbanismo: origens e caminhos para (re)contruir a América Latina
De modo a organizar o percurso de nossas considerações, a partir deste ponto, retomamos o aspecto que consideramos central para seguir com a discussão, que é pensar a própria ideia-conceito de planejamento. Como observamos no início, quando se pensa na contribuição da CEPAL em relação ao planejamento, é evidente que se remete ao campo da economia, em especial à atuação governamental pelo planejamento econômico. Mas seria a CEPAL, lá no final da década de 1940, digamos assim, o ponto originário das ideias de planejamento, mesmo que apenas no sentido econômico?
E em relação ao planejamento urbano-regional, fazemos aqui uma indagação: onde podemos localizar ações que indiquem que os profissionais oriundos dos campos da engenharia, arquitetura e do urbanismo também estavam pensando em suas práticas profissionais e inserções institucionais no sentido do plano/planejamento e não mais, ou não unicamente, pelo projeto urbanístico, aquele que, até as primeiras décadas do século XX, estava associado ao embelezamento e melhoramento urbanos? Ou, ainda, como historicizar a própria construção do campo do planejamento urbano-regional sem recorrer, de um lado, à dicotomia “urbanismo cientificista-artístico” decorrente das ideias francesas-hausmannianas x planejamento-planning anglo-saxônico, de outro, que, ao observar o contínuo processo histórico de desenvolvimento dos saberes profissionais no âmbito da América Latina, o faz como conhecimento importado, ou decorrente de uma ideia de viagem, cuja origem estaria nos EUA, no programa New Deal, da empresa Tennessee Valley Authority (TVA), ou de importação das ideias vigentes na Paris de Hausmann?
Para avançar um pouco nesse debate, entendemos ser fundamental (re)estabelecer interpretações sobre as relações entre economia e urbanismo, algo que se perdeu com a hegemonia do desenho/projeto urbanístico e com certa autarquização do campo profissional da arquitetura e do urbanismo, a partir da década de 1980. Ou seja, é necessário compreender o debate sobre planejamento no sentido econômico, ou seja, as ações relacionadas aos processos produtivos, em articulação com o planejamento no sentido urbano-regional, pois os consideramos indissociáveis. Ambos apresentam implicações diretas sobre a urbanização; o crescimento físico das áreas urbanas; as áreas rurais; a expansão periférica desprovida de infraestrutura urbana; enfim, sobre a necessidade premente e básica das habitações rurais e urbanas. E ainda que seja necessário matizar as especificidades e os contextos históricos, é possível mapear processos de organização profissional e institucional, ora oriundos do campo arquitetônico-urbanístico, ora oriundos do campo econômico.
Um momento crucial, talvez o primeiro, de abordagem sobre o planejamento, ocorreu no México, com a criação, em 1927, da Associação Nacional para a Planificação da República Mexicana (ANPRM), sob a coordenação de Carlos Contreras. É interessante e oportuno frisar que essa proposição foi formulada pelos campos da arquitetura e do urbanismo e não da economia. Como publicado no primeiro número da Revista da Associação, denominada de Planificación, no mesmo ano de 1927, a ANPRM tinha como premissa geral o interesse em trabalhar pelas planificações nacional e integral. Dois pontos são relevantes para compreendermos os significados dessa ideia de planificações nacional e integral informados na Revista. O primeiro, no tópico “¿Qué cosa es la planificación de ciudades y regiones?” consta a seguinte informação: “La planificación moderna tiende a relacionar las funciones de la vida diaria de una ciudad o de una región basándose en el pasado, estudiando y conociendo el presente y previendo el futuro” (Contreras, 1927, p. 4). O segundo ponto está presente no artigo denominado de “Fines de la Asociación Nacional para la Planificación de la República Mexicana”, onde surge a seguinte ideia: “formular y dar a conocer a todos los habitantes de la República Mexicana los problemas regional y nacional de la planificación de ciudades, así como de la habitación, en sus aspectos más amplios” (ANPRM, 1927, p. 26).
Apenas para fins de breve comparação, nesse mesmo ano de criação da ANPRM, 1927, foi realizado o III Congresso Pan-americano de Arquitetos, cujo eixo central das discussões, conforme o regulamento desse Congresso, estava ainda muito centrado na organização do próprio campo profissional. Um único tópico, o Tema VII, trouxe a discussão sobre “El Urbanismo en sus Relaciones con la Arquitectura. Nesse tema, observou-se que,
la rapidez en el crecimiento de las ciudades americanas ha creado una serie de problemas que solo se resuelve por medio de la ciencia del Urbanismo (…) Que en todas las Escuelas de Arquitectura de América se intensifiquen los cursos de Urbanismo (…) Que en cada ciudad americana se planteen las bases y por concursos o comisiones el plan regulador o de extensión (Gutiérrez e Tartarini e Stagno, 2007, p. 57).
É evidente que, o que estava em discussão e implementação no México na segunda década do século XX, indica uma compreensão central das questões urbanas e regionais associadas ao planejamento nacional, mesmo que também se preserve uma discussão específica sobre a problemática urbanística num sentido mais local/municipal. Já em relação ao debate sobre o planejamento no âmbito dos profissionais da economia, dois casos indicam relevâncias intelectual e institucional. O primeiro é a Lei 213, de 1942, que criou a Junta de Planificación, Urbanización y Zonificación de Puerto Rico, como iniciativa do então governador de Puerto Rico, Rexford Tugwell. Essa lei foi responsável por estabelecer as bases e sistematizar e organizar a planificação em Puerto Rico, entendida, a planificação, como um quarto poder constitucional. O segundo foi a proposta elaborada, no Brasil, por Roberto Simonsen, em 1944, na I Conferência Nacional de Indústria, de criação de uma Junta Nacional de Planificação, no Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial. Oportuno observar que Simonsen foi um dos criadores da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, instituição responsável por organizar um Seminário, em 1958, para discutir as interfaces entre o planejamento regional e o municipal.
Como observou Ricardo Bielschowsky, Simonsen foi o maior líder industrial brasileiro e o grande ideólogo do desenvolvimento no Brasil (Bielschowsky, 1995). Sua atuação político-ideológica em defesa do desenvolvimentismo e planejamento foram fundamentais para tensionar o liberalismo do Governo Eurico Gaspar Dutra. Seus posicionamentos foram enunciados tanto a partir da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) como da Confederação Nacional da Indústria (CNI), onde criou o Departamento Econômico, sob a chefia de Rômulo Almeida. Nesse Departamento Econômico, em 1950, foi lançada a Revista Estudos Econômicos, em cujas edições iniciais constavam os trabalhos pioneiros de Raul Prebisch na CEPAL.
Em seu clássico estudo A planificação da economia brasileira, de agosto de 1944 (este artigo é um parecer ao Conselho Nacional de Política Industrial apresentado em 16 de agosto de 1944), Simonsen não apenas elabora um conjunto de ações que deveria ser adotado no âmbito da planificação da economia, em todos os seus setores – indústria, agricultura e comércio –, como indica ter sido ilusório o enriquecimento de muitos países latino-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Também nesse trabalho, Simonsen (Simonsen, 1973) faz observações sobre as cidades, com especial atenção ao problema da moradia, ao afirmar que nas “grandes cidades, as construções existentes – sobretudo as que se destinam aos operários e classes menos favorecidas – são insuficientes para o abrigo de suas populações” (Simonsen, 1973, p. 301). Em outro estudo, é ainda mais objetivo, em suas ideias sobre os problemas urbanos. Ao formular uma proposta de descongestionamento dos grandes centros, anotou:
o crescimento anormal de certas cidades provoca muitas vezes, o desequilíbrio entre o mínimo de que sua população precisa para viver, e os próprios recursos econômicos de que pode dispor pelo seu trabalho. Daí a elevada proporção de indivíduos que vivem em precária situação de pobreza dentro de tais aglomerações urbanas (Simonsen, 1973, p. 320).
Esse argumento teria embasado a defesa que a FIESP apresentou no I Congresso Brasileiro de Economia, sobre a necessidade de descentralização das indústrias, visando ao descongestionamento das grandes cidades, à melhor distribuição de progresso pelas várias regiões do país e à eliminação das dificuldades que decorrem das excessivas concentrações urbanas. Ou seja, seu projeto de planificação da economia para fortalecer as diversas cadeias produtivas deveria resultar no aumento da renda nacional e fortalecimento do mercado interno, fundamentais para que a solvência do mercado de trabalho garantisse melhoria das condições de vida da população trabalhadora, especialmente sobre o tema da habitação. Ao mesmo tempo, preconizava melhor distribuição da atividade industrial pelas diversas regiões do Brasil, o que, de certa forma, poderia se esperar da concepção original da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), criada em 1959, sob a direção de Celso Furtado – ao se deslocar do seu posto de trabalho na CEPAL para chefiar a primeira agência de desenvolvimento regional do Brasil –, para atuar na promoção de infraestrutura produtiva agroindustrial focada nas possibilidades econômicas da Região Nordeste brasileira.
A criação da Sudene também nos remete ao Governo JK, numa decisão tão importante quanto a construção de Brasília, mas que, em grande medida, segue negligenciada pela historiografia da arquitetura, que se centra quase exclusivamente no debate sobre o Plano Piloto de Brasília. E isso resulta em dois “apagamentos” nas análises sobre a nova capital brasileira, quais sejam: a) Pensar Brasília desvinculada do debate sobre o planejamento e o desenvolvimentismo em âmbito nacional, desde a elaboração do Documento Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento; b) O de pensar Brasília desvinculada de sua relação com o debate latino-americano sobre planejamento econômico e planejamento regional, o que a colocaria em diálogo, por exemplo, com o planejamento venezuelano, para a construção de Ciudad Guayana.
Em relação ao primeiro aspecto, felizmente no sentido inverso a esse apagamento, fazemos menção a alguns trabalhos, especialmente os desenvolvidos por Maria Fernanda Derntl (Derntl, 2022, 2018, 2019, 2020a, 2020b). Suas pesquisas sobre as chamadas “cidades satélites” como base em um conjunto primoroso de documentos sobre planejamento regional e sistema de abastecimento, produzem importante inovação nos estudos urbanos sobre Brasília. Nessa mesma direção, deve-se fazer referência aos trabalhos individuais ou coletivos de pesquisa de Izadora Carvalho Lanner (Laner, 2018; Laner e Faria, 2019; Laner e Faria e Pescatori, 2021), mas especialmente sua dissertação de mestrado, caracterizada por um estudo sobre o planejamento regional e desenvolvimento no Brasil durante o governo JK, rompendo assim visões ainda autocentradas nas especificidades do projeto urbanístico de Brasília, para analisá-lo como parte de um conjunto de ações políticas e econômicas produzidas pelo governo brasileiro, particularmente em articulação com a proposta de criação da SUDENE. Sobre o segundo aspecto, podemos anotar os trabalhos de Roberto Segre, (1977), e Arturo Almondoz, nesse caso, por exemplo, no artigo Towards Brasília and Ciudad Guayana. Development, Urbanization and Regional Planning in Latin America, 1940s–1960s (Almondoz, 2015). Em ambos os trabalhos, entre outros possíveis, constam análises desafiadoras sobre as duas cidades, Brasília e Ciudad Guayana.
Após esse percurso paralelo em relação ao Brasil e Brasília, retomamos a análise que estávamos empreendendo até o ano de 1944, quando Simonsen fez um conjunto de observações relacionando o planejamento econômico com as condições de vida nas cidades da população trabalhadora, para observar que o tema da habitação já estava na pauta de congressos panamericanos de arquitetos e, desde 1938, nos congressos interamericanos de municípios. Também já havia sido incorporado na pauta governamental de alguns países, especialmente Argentina, com a criação da Comisión Nacional de Casas Baratas, em 1915, e Chile, com a Ley de Habitaciones Obreras, de 1906. No entanto, interessa, especialmente, o debate profissional interamericano, para que possamos pensar para além das dimensões nacionais; interpretar o contexto latino-americano exatamente pelas possibilidades que a perspectiva transnacional nos possibilita. E é esse o caminho que percorreremos a partir de agora
Habitação e Planejamento Urbano-Regional: um debate supranacional
Em termos gerais, a historiografia urbana latino-americana faz referências ao I Congreso Panamericano de la Vivienda Popular, realizado em Buenos Aires, Argentina, no ano de 1939. E, de fato, o interesse nesse congresso não poderia ser menor, sobretudo porque, como observou Anahí Ballent, “se trató de un evento sumamente relevante en la reflexión sobre el tema y constituyó una referencia central para la construcción de políticas estatales en el futuro, aconsejando la intervención activa del Estado” (Ballent, 2009, p. 58).
Poderíamos, ainda, retroceder ao ano de 1930, ao IV Congresso Pan-americano de Arquitetos, realizado no Rio de Janeiro, e nossa tendência é concordar com a leitura de Carlos Sambricio ao afirmar que,
sólo el congreso de Rio de Janeiro llevó el debate no hacia imprecisas reclamaciones sino hacia preocupaciones concretas, sustrayéndolo, en consecuencia, de discusiones sobre políticas asistenciales y centrándolo en las características que debían tener tales viviendas (...) En el congreso de Rio fue donde por primera vez se reclamó ligar – como años antes hiciera Martínez Inclán – la política de vivienda al planeamiento urbano y a la legislación. (Sambricio, 2012, p. 20)
Ou seja, no âmbito institucional dos Congressos Pan-americanos de Arquitetos, essa edição teria sido a primeira em enfrentar o tema da habitação, e, mais, a enfrentá-lo como problema urbano inserido no debate sobre planejamento. Contudo, em comparação a outros congressos realizados na década de 1930, entre eles o Nacional de Arquitectura y Urbanismo, no Chile, em 1934; o de Urbanismo, em Buenos Aires, em 1935; o XVI Congreso Internacional de Planificación y de la Habitación, no México, em 1938, e o I Congreso Panamericano de la Vivienda Popular, também em Buenos Aires, no ano de 1939, Carlos Sambricio argumentou ter havido um retrocesso desses eventos sobre o debate a respeito de habitação-planejamento, em relação ao IV Congresso Pan-americano de Arquitetos, que teria sido o único em que “se afrontó el problema de la vivienda económica como reto de a una política nacional, recomendándose encarar su construcción paralelamente al trazado de los planos reguladores” (Sambricio, 2012, p. 20).
Mas, para além desse conjunto de eventos circunscritos ao campo profissional da arquitetura e do urbanismo, queremos chamar a atenção para o campo programático do pensamento municipalista interamericano, que, em 1938, portanto, um ano antes do Congreso Panamericano de la Vivienda, de 1939, já tinha abordado o tema da habitação, quando da realização, em Cuba, do I Congreso Panamericano de Municipios. Para tanto, é fundamental entender a atuação da OICI, criada em 1938, por colocar o pensamento municipalista interamericano no centro dos debates urbanos latino-americanos a partir de um conceito programático-fundacional geral, qual seja, a cooperación intermunicipal. A origem da OICI, na década de 1930, está, em termos gerais, diretamente relacionada às Conferências Internacionais Americanas, realizadas em 1890, na cidade de Washington, EUA, portanto, aos contextos histórico e político dos debates sobre o panamericanismo, institucionalmente caracterizado pela atuação da Unión Panamericana, de onde também surgirá a proposta de criação do CINVA, na década de 1950.
O primeiro indicativo de criação da OICI vem da V Conferência Internacional Americana, realizada em Santiago do Chile, no ano de 1923, especificamente a Resolução 44, que recomendou a aproximação dos municípios de um mesmo país e entre os países do continente. O segundo indicativo foi produzido na VI Conferência Interamericana, realizada em La Habana, no ano de 1928. Nessa ocasião, os representantes nacionais presentes decidiram que a Unión Panamericana deveria organizar o Primer Congreso Panamericano de Municipios, com a finalidade de serem discutidos os temas do urbanismo e da administração municipal, como enunciado em sua Resolução 47, que, entre outras questões, indica que a Unión Panamericana deveria organizar e realizar o primeiro congresso pan-americano de municípios. O terceiro indicativo, ou manifestação, nessa categoria político-institucional de criação da OICI, foi aprovada na Resolução 70 do Primer Congreso Panamericano de Municipios. Dessa Resolução, veio a determinação do caráter de permanência “a la cooperação intermunicipal y a las atividades em prol del mayor estrechamiento de relaciones entre los pueblos americanos a través de la intermunicipalidad”, assim como o de estimular esforços para lograr a cooperação entre cidades de um mesmo país e entre as cidades situadas em distintos países da América (OICI, 1941, p. 100).
Essa recorrente presença de Cuba no processo de criação da OICI e fundamentação do pensamento municipalista interamericano não foi uma simple coincidência. O debate sobre práticas municipalistas orientadas no sentido do desenvolvimento cooperado das localidades, já estava na pauta do Conselho Municipal de La Habana, desde as décadas de 1910 e 1920. Esse foi o contexto de realização do Congreso Panamericano de Munícípios (a partir do segundo congresso o nome mudará para Congresso Interamericano de Municípos), entre os dias 14 e 19 de novembro de 1938, cuja Ata Final traz um conjunto de 80 tópicos, divididos entre declarações, acordos, resoluções e recomendações, e nos quais se pode constatar o debate sobre habitação.
Figura 1. Actas del Congreso Panamericano de Municípios. Instituto de Estudios Territoriales y Urbanos. Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo-UDELAR.
O assunto foi discutido no tema Actividades Municipales en la Provisión de Casas Baratas, ao aprovar seis recomendações, entre as quais destacam-se três:
a) “que la solución técnica de la construcción de vivienda económicas debe encontrarse en las lógicas aplicaciones del urbanismo y de la planificación territorial de las Naciones, procedimiento que regula el desarrollo de las ciudades y sus zonificaciones por medio de los planes reguladores”;
b) “que los tipos de vivienda en los diferentes países y em cada zona tiene que fijarse de acuerdo con las modalidades y recursos de la región, y por lo tanto es inconveniente y antieconómico resolver su planificación a priori, ya que además es imposible desentenderse de las variables condiciones geográficas que significan a la vez cambios em el desarrollo arquitectónico de la habitación”;
c) “que los Municipios no pueden quedar al margen de las disposiciones estatales que se refieran al problema de la vivienda ya que estas corporaciones son las únicas capaces de encauzar el desarrollo, vida y crecimiento de los pueblos que dirijan, de acuerdo con sus planes reguladores”. (OICI, 1941, p. 76)
Já o II Congresso Interamericano de Municípios, realizado em Santiago do Chile em 1941 foi organizado por um conjunto de três eixos temáticos: Estadísticas Municipales; Urbanismo y Planificación; Servicios Públicos. À frente da comissão organizadora, esteve o arquiteto Ricardo González Cortés, que também presidiu o II Congreso Panamericano de Arquitectos, realizado em 1923, no Chile.
Oportuno González Cortes também integrava a Comisión Panamericana de Cooperación Intermunicipal, responsável por elaborar os Estatutos da OIC, publicado no primeiro número da Revista Municipal Interamericana como Ata final do III Congresso Interamericano de Municípios, realizado em New Orleans, EUA, em 1950, já no pós-guerra.
Figura 2. Actas del II Congreso Interamericano de Municípios. Instituto de Estudios Territoriales y Urbanos. Facultad de Arquictectura, Diseño y Urbanismo-UDELAR.
Figura 3. Membros da Comissão Panamericana de Cooperação Intermunicipal, responsável pela ideia de criação da Organização Interamericana de Cooperación Intermunicipal, a OICI. Instituto de Estudios Territoriales y Urbanos. Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo-UDELAR.
Figura 4. Revista Interamericana de Cooperación Intermunicipal, I, (1 e 2). Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade – GPHUC-UnB/CNPq.
Esses três primeiros congressos interamericanos indicam um movimento importante de aproximação dos profissionais arquitetos e urbanistas com o campo programático municipalista, fortemente marcado pela presença de profissionais do campo jurídico. Um movimento importante, e que aponta para a mudança, vinha ocorrendo em relação ao urbanismo, que não mais se circunscrevia exclusivamente como projeto-desenho, mas se colocava em relação ao planejamento urbano municipal. No entanto, se a consolidação, primeiro, desse movimento de aproximação dos arquitetos e urbanistas aos demais campos disciplinares, configurando a condição interdisciplinar do planejamento e, segundo, do próprio planejamento que se conforma na década de 1950, faz-se necessário demarcar uma interpretação que consideramos necessária e que entende a década de 1930 como um período central para compreendermos esse processo histórico que culmina, na década de 1950, com a consolidação da ideia de cidade latino-americana como objeto de conhecimento e ação, mas, sobretudo, quanto ao tema habitação, como objeto de ação governamental no âmbito de políticas nacionais da área habitacional.
A mudança no debate sobre habitação, entendido nesse contexto como planos nacionais de habitação, foi acompanhada por importante inflexão conceitual no vocabulário profissional, em relação ao urbanismo, que não seria mais pensado nos termos dos planos de melhoramentos e embelezamentos, mas dos planos diretores municipais num primeiro momento, e já no alvorecer da década de 1950, como planejamentos regional e territorial, em franca articulação com o planejamento econômico nacional, ou seja, integrado àqueles dois movimentos antes mencionados. Ambos os movimentos também sugerem a existência de um processo de construção de ideias sobre a questão urbana latino-americana em termos supranacionais, como as que foram forjadas inicialmente nos Congressos Pan-americanos de Arquitetos, ao mesmo tempo em que foram acompanhadas por discussões internas aos países, mas sem perder a dimensão interamericana. Esse movimento indica uma inflexão estrutural que ocorreu na década de 1930, em relação à década de 1920, sobre os assuntos urbanísticos e habitacionais. É o que também observa Nilce Aravecchia-Botas, ao argumentar que,
durante a década [1920], ainda que dos encontros tenha-se extraído uma série de resoluções e orientações dos profissionais afins, voltados aos problemas habitacionais na América, a grande maioria dizia respeito à criação de órgãos e à ação dos países individualmente. Foi ao final da década de 1930 que se manifestou com clareza a necessidade de se atacar o problema de forma conjunta. (Aravecchia-Botas, 2012, p. 3-4).
Em termos nacionais, esses debates deram-se com relevante atuação dos Estados nacionais, mediante formulação de políticas urbano-territoriais a partir da década de 1930, incluindo transformações estruturais na própria administração pública. É o que se constata no Brasil, especialmente no Governo Vargas, entre 1930 e 1945, com a criação de instâncias-instituições como a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), numa perspectiva de ação da assistência técnica aos municípios e de novas práticas urbanísticas.
Por outo lado, em termos gerais e interamericanos, o Congreso Panamericano de la Vivienda Popular realizado em Buenos Aires, Argentina, no ano de 1939, pode ser considerado evento-chave para compreendermos o processo que se inicia na década de 1920 e que vai se consolidar a partir de 1949, com a criação da División de Vivienda y Planeamento da Unión Panamericana; do CINVA; e da SIAP, ambas nos anos 1950. Tanto que, pouco mais de uma década depois do evento em Buenos Aires, a própria Unión Panamericana já havia enunciado a importância do Congreso Panamericano de la Vivienda para o debate continental sobre habitação. No documento Prospecto – Centro Interamericano de Vivienda, organizado pela División de Vivienda y Planeamento, consta que “el interés despertado en ese Congreso ha sido corroborado sucesivamente en los diversos Congresos Panamericanos de Arquitectos, en los que se ha insistido en la necesidad de crear un instituto interamericano para el estudio de los distintos aspectos de la vivienda” (Unión panamericana, 1953, p. 7).
A ideia desse instituto teve, de fato, seguimento entre os arquitetos do continente, tanto que foi anunciada como encaminhamento do V Congreso Panamericano de Arquitectos, realizado em 1940, na cidade de Montevidéu, Uruguai, ocasião em que se propôs a criação do Instituto Panamericano de la Vivienda. Neste mesmo Congresso, também foi proposta a realização de uma Conferência Pan-americana de Urbanismo, que teria como base as Reuniões Nacionais de Urbanismo, que abarcariam a região e o país, e não mais os planos de transformação-expansão e melhoramentos que vigoraram até a década de 1920, do que se pode considerar que as ações nacionais no campo do urbanismo-planejamento urbano estavam em estreita relação com os debates realizados nas instâncias interamericanas.
Retomando o percurso pelos debates promovidos nos Congressos Interamericanos de Municípios, consideramos fundamental a Quarta Reunião do Congresso Interamericano de Municípios realizado em fevereiro de 1953, na cidade de Montevidéu, especialmente porque, nessa ocasião, se estabeleceu importante articulação entre a OICI e OEA, por meio da División de Vivienda y Planeamento da Unión Panamericana. Essa articulação deu-se mediante a participação da División de Vivienda y Planeamiento da Unión Panamericana, com o documento Acción Municipal en el Mejoramiento de las Condiciones de Vivienda y la Eliminación de Tugurios, elaborado por Francis Violich e Minnie S. Ruth. O documento está organizado em três partes: na primeira parte, aborda-se o que seriam as causas e os efeitos do “problema de la vivienda en América Latina”; a segunda parte aborda as “Técnicas y Programas de Vivienda en América Latina y los Estados Unidos”; a terceira parte aborda “El Papel del Municipio en el Mejoramiento de la Vivienda”, com destaque especial para a “necessidade de coordenação entre o município e o governo nacional”, exatamente o que confirma a vinculação do tema habitação com as políticas governamentais e o planejamento urbano-regional (Violich e Ruth, 1953).
Figura 5. Frontispício do Relatório Acción Municipal en el Mejoramiento de las Condiciones de Vivienda y la Eliminación de Tugurios. Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade – GPHUC-UnB/CNPq
Numa passagem nessa terceira parte do texto do relatório, sugere-se que os municípios “deben estudiar su política financiera y tributaria en lo que se refiere al desarrollo físico, no solo dentro de los límites de la ciudad, sino también en la región que la circunda”, ao mesmo tempo em que é feito o seguinte questionamento: “¿Qual ha sido su contribución (a pregunta é para as autoridades das municipalidades) en el campo de la vivienda en benefício de los ciudadanos?” (Violich e Ruth, 1953, p. 63-77). No mesmo ano de elaboração desse documento, ou seja, em 1953, quando ocorreu o IV Congresso OICI, a Unión Panamericana elaborou o editorial do Boletín Vivienda y Planeamiento, de dezembro de 1953, em que afirma que a América Latina era ainda predominantemente rural – “las últimas cifras censales indicam que 60,5% de la población total habita en áreas rurales” –, mas, ao mesmo tempo, indicou que o processo de urbanização era relativamente rápido. A redução em aproximadamente 15% da população rural, nos 15 anos anteriores, e o aumento do número de cidades com mais de 100 mil habitantes, desde 1940, de 45 para 62, confirmariam, segundo a Unión Panamericana, essa aceleração da urbanização. Por outro lado, reconheceu, no referido editorial, que “el grado de urbanización varía para cada país (...) y es probable que algunos países permanezcan caracteristicamente rurales” (Unión Panamericana, 1953a, p. 1).
O editorial ainda associa esse descontrole e essa desorientação ao que denominou de períodos iniciais desse processo de urbanização, quando, supostamente, as “fuerzas causantes de la industrialización” teriam operado sem qualquer tipo de controle e orientação necessário ao “crecimiento ordenado de las áreas urbanas”. Decorrente, principalmente, dos impactos e mudanças provocadas pela industrialização, essa urbanização seria a expressão física das mudanças sociais e econômicas, cujas imagens mais representativas seriam a queda das muralhas seguida da expansão das cidades de maneira “descontrolada y sin orientación” (Unión Panamericana, 1953a, p. 1). O resultado teria se refletido, principalmente,
en la desorganización funcional de la ciudad. Quizás por esto, el problema de la vivienda es más obvio en las ciudades – nervio y motores de la economía – que en las áreas rurales. Desgraciadamente, el desarrollo actual de nuestras ciudades se caracteriza no solamente por una expansión periférica, sino también por la deterioración de sus áreas centrales (Unión Panamericana, 1953a, p. 1)
Esse cenário problemático apresentado no editorial não veio à luz sem uma justificativa quantitativa dramática. Consta a informação de que o número de habitações que deveria ser totalmente reconstruído nas áreas urbanas e metropolitanas na América Latina chegaria a 4.281.600 unidades, sendo esse “el número de familias que actualmente viven en los tugurios urbanos” (Unión Panamericana, 1953a, p. 1). No editorial, ainda foram apresentadas, ao final, uma série de perguntas certamente ainda relevantes em 2022: “¿Cuál será el futuro de las áreas urbanas en América? ¿Cuéntan los municipios con los recursos técnicos y financieros para afrontar la inmensa labor de rehabilitación, para guiar el futuro desarrollo físico de las ciudades?” (Unión Panamericana, 1953a, p. 1).
Ambas as perguntas, mas, especialmente, a segunda, por indagar sobre as capacidades institucional e econômica dos municípios latino-americanos de enfrentar os desafios destacados no editorial do Boletín quanto à urbanização, em termos gerais, e à habitação, mais particularmente, reforçam aquela aproximação a que nos referimos, entre a División de Vivienda y Planeamiento del Departamento de Asuntos Económicos y Sociales e a Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal (OICI), exatamente pelo interesse em analisar e discutir soluções para os problemas habitacionais nas municipalidades. E, além dessa aproximação, que se deu, como comentamos, com aquele relatório sobre a ação municipal, a Unión Panamericana, através de seu Consejo Interamericano Económico y Social, também havia criado uma Comissão Ad hoc para elaborar um estudo denominado El Problema de la Vivienda de Interés Social en América Latina, e que muito provavelmente, em paralelo ao documento elaborado por Francis Violich, serviu de base para os argumentos apresentados no editorial de seu Boletín, publicado em 1954 com o título Problema de la Vivienda de Interés Social.
O documento é bastante longo e não vamos nos deter em suas especificidades, mas queremos observar um ponto importante para esse percurso que trilhamos sobre o planejamento urbano-regional, que é a questão da habitação e o planejamento econômico. Este está relacionado ao Capítulo VI, que apresenta como tema específico a Cooperação Interamericana, reforçando, assim, a importância das ações interinstitucionais. Inclusive, nas conclusões, aparece uma articulação institucional relevante, que teria ocorrido entre as secretarias técnicas da División de Vivienda y Planeamiento da Unión Panamericana e da Sección de Vivienda y Planeamiento Urbano y Rural das Nações Unidas, representada pela CEPAL. E o que nos parece relevante é exatamente a possibilidade de entendermos o diálogo entre urbanismo/planejamento e economia, inclusive na formulação de ações em habitação como parte das políticas governamentais e não apenas como questão inerente ao projeto arquitetônico.
Ao voltarmos o olhar especificamente para a División de Vivienda y Planeamiento da Unión Panamericana, retrocederemos ao ano de 1949, quando “se formó la Sección de Vivienda y Planeamiento como parte integrante de la División de Asuntos Sociales y del Trabajo” da Unión Panamericana. Essa Sección foi responsável pela realização de três Seminários Regionales de Asuntos Sociales, dedicados ao estudo sobre Vivienda y Urbanismo realizados em Quito, Equador; San Salvador, El Salvador; e Porto Alegre/RS, Brasil, e que antecederam o projeto de criação do CINVA. Consta na documentação analisada, que a Sección de Vivienda y Planeamiento foi elevada à categoria de División de Vivienda y Planeamiento, em 1951, quando passou a atuar mais diretamente como centro de investigação e assessoria às instituições que atuavam com habitação e planejamento nos países membros da OEA. E como observado pela própria Unión Panamericana, uma vez estruturadas suas atividades, “era muy lógico, pues, que la Unión Panamericana, por medio de la División de Vivienda y Planeamiento estableciera el Centro Interamericano de Vivienda”, tal como consta no documento Prospecto – Centro Interamericano de Vivienda, o CINVA (Unión Panamericana, 1953b, p. 7).
Um passo seguinte e importante na consolidação do CINVA, foi dado pela Resolução XIV da Primera Reunión Técnica Interamericana em Vivienda y Planeamiento, realizada em Bogotá, Colômbia, em 1956, e que tratou exatamente do “fortalecimiento del Centro Interamericano de Vivienda”. Nessa resolução, consta a Manifestação da Conveniência de que “el Centro Interamericano de Vivienda desarrolle programas de planeamiento – entendido este como planificación física que considere los aspectos económicos y sociales – y se denomine Centro Interamericano de Vivienda y Planeamiento, como lo dispone la Resolución XXXV de la X Conferencia Interamericana” (Unión Panamericana, 1958, p. 19) realizada em Caracas dois anos antes, em 1954, ocasião em que se convocou a referida Primera Reunión Técnica Interamericana em Vivienda y Planeamiento, que ocorreu em 1956.
Esses fatos nos ajudam a compreender o ano de 1956 como ponto de convergência de todo o largo processo histórico, desde a década de 1920. Foi quando se conformou definitivamente a institucionalidade do planejamento urbano e regional na América Latina, cujo ponto alto se definiria com a criação da SIAP. E para tornar mais claro esse percurso, retomamos algumas datas entre 1950 e 1956, todas elas importantes para essa institucionalidade: a) O seminário de assuntos regionais sobre vivenda y urbanismo realizado entre 1950 e 1951; b) O acordo multilateral de setembro de 1951, que instituiu o CINVA, inaugurado em maio de 1952, ainda como Centro Interamericano de Vivienda; c) A Resolução XXXV da X Conferência Interamericana, em Caracas, ocorrida em 1954, e que indicou, ao Consejo Interamericano Económico y Social, que realizasse a Primera Reunión Técnica Interamericana em Vivienda y Planeamiento, efetivamente realizada em 1956; d) A mudança do escopo do CINVA, que incorporaria o planejamento ao seu nome e atribuições – mudança aprovada por Resolução da Primera Reunión Técnica Interamericana en Vivienda y Planeamiento. Por fim, a criação da SIAP em 1956, mas em dois momentos distintos, o que caracterizaria dois movimentos originários: o primeiro, que denominado de origem intelectual; o segundo, de origem jurídica (Faria, 2022).
Começamos com essa origem jurídica, que geralmente é a referência contida nas pesquisas. Como consta no Informe da Primera Reunión Técnica em Vivienda y Planeamiento realizada entre novembro e dezembro de 1956, a SIAP, “cuyos objetivos le señalaron una vasta labor, de proporciones continentales, celebró su asamblea constitutiva; a ella asistieron técnicos procedentes de todos los países participantes, discutieron y aprobaron los estatutos de la Sociedad e hicieron la primera elección de funcionarios” (CIES/UP/OEA, 1958). É evidente que esse ato de institucionalização jurídica das atribuições e do Estatuto da SIAP é fundamental, mas outro seminário anterior, ocorrido em março de 1956, é mais importante, inclusive porque abordou o que seria um dos eixos centrais de atuação da SIAP, qual seja, a discussão sobre o ensino do planejamento.
Celebrado em San Juan, Puerto Rico, teve como tema a Formación de Personal para la Planificación Urbana y Regional, e foi organizado pela OEA, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Junta de Planificación de Puerto Rico. No seu encerramento, formou-se uma Comissão Ad hoc presidida por Rafael Picó, cujos trabalhos se conformaram na origem jurídica realizada, aí sim, em Bogotá, no final de 1956. Não entraremos em detalhes sobre esse documento e as discussões que ocorreram entre os representantes da Argentina, do Brasil, Canadá, México, Peru, Uruguai, Cuba, Puerto Rico, Panamá, Inglaterra e EUA. Em termos gerais, reconheceram que o planejamento urbano-regional era necessário para atuar na complexa realidade urbano-industrial latino-americana. Conceitualmente, indicou-se a importância de articular as escalas nacional e local pela dimensão regional e pelo planejamento regional. Como observou Ernest Weissman (1957), “la región constituye el eslabón fundamental entre la comunidad local y la nacional. Una planificación regional facilita la identificación de los objetivos nacionales en función de la acción local” (p. 6).
Entre os profissionais que realizaram conferências e proposições, consideramos neste texto as participações do brasileiro Helio Modesto e do venezuelano Luis Lander, pois ambos indicaram a necessidade se criar instituições de ensino em planejamento. O brasileiro sugeriu a criação de escolas regionais de planificação para pós-graduandos. O venezuelano sugeriu a criação de um Instituto Latinoamericano de Planificación para formação técnica e da população em geral. Ao final do Seminário, discutiram as possibilidades de criação de uma escola de planejamento na América Latina que seria sediada em Puerto Rico, o que não veio a ocorrer, embora tal fato não diminua a importância dos eixos centrais das conclusões do Seminário: “la importancia de la planificación en el desarrollo económico y social; la escala Regional de la planificación; la formación de planificadores; las instituciones de investigación y enseñanza de la planificación en la América Latina” (Solow, 1957, p. 82).
Esses temas, mas, em especial, a proposta de criar uma instituição de formação em planejamento, abrem espaço para uma indagação sobre possível conflito de atuação entre o CINVA e a SIAP. O seminário em Puerto Rico ocorreu em março de 1956. A Primera Reunión Técnica Interamericana en Vivienda y Planeamiento, que indicou a incorporação do planejamento ao escopo do CINVA, ocorreu em novembro/dezembro desse mesmo ano, mas, desde o início da década, vinha atuando na formação profissional, ainda que não direcionada ao campo do planejamento urbano-regional, como era a proposta de Luis Lander e Hélio Modesto.
A interpretação sobre esse possível conflito sustenta-se numa manifestação que Anatole Solow fez em Puerto Rico, sobre a proposta de criação de uma escola de planejamento ao afirmar a existência, naquele momento, de uma instituição com a missão de ofertar capacitação prática a profissionais, exatamente o CINVA. O mesmo Anatole mencionou ainda, a existência de outro projeto, o de n. 23, do Programa de Cooperação Técnica da OEA, que estabeleceria um conjunto de institutos para o ensino e a investigação especializada em urbanismo e planificação organizados em centros de estudos pós-graduados de planificação – oportuno anotar que o CINVA foi definido no Projeto 22.
Terminada a conferência em Puerto Rico e com o início das atividades da SIAP, a partir de sua fundação jurídica em Bogotá, a segunda assembleia da entidade viria a ocorrer dois anos depois, em 1958, na cidade de Huampaní, no Peru, onde se realizou a Segunda Reunión Técnica Interamericana en Vivienda y Planeamiento. Nessa Reunião, a SIAP organizou uma Missão Técnica sobre Educação do Planejamento formada por três membros: Cesar Garcés (Colômbia), José Vera (Chile), Humberto Espinoza (Panamá). A Missão foi assessorada por Rafael Picó; Francis Violich; e John Blandford (EUA) e seus trabalhos aprovados definitivamente durante o Congreso Mundial de Planificación y Vivienda, realizado em Puerto Rico, no ano de 1960.
Figura 6. Frontispício da Segunda Reunión Técnica Interamericana en Vivienda y Planeamiento Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade – GPHUC-UnB/CNPq.
Financiada pela Fundação Ford, a Missão Técnica visitou diversos países, entre maio e setembro de 1960, concluindo o trabalho com um informe geral, depois publicado em livro, onde consta, por exemplo, o informe sobre os países e os campos disciplinares que forneciam formação em planejamento. Consta, no documento final, a indicação de que o Centro de Estudos e Pesquisas Urbanísticas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), dirigido por Anhaia Mello, era a instituição de ensino na América Latina que mais havia avançado na colaboração interdisciplinar, em relação aos diversos aspectos do desenvolvimento da nação, da região e dos municípios.
Neste ponto do percurso desenvolvido até aqui, abrimos um parêntesis para o registro de dois outros importantes eventos, que ocorreram em 1958, o mesmo ano da Segunda Reunión Técnica Interamericana em Vivienda y Planeamiento. Os dois eventos também trouxeram discussões sobre o planejamento urbano-municipal e suas relações com o planejamento regional. O primeiro ocorreu na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e foi denominado de I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, tendo sido organizado pelo jurista brasileiro Antonio Delorenzo Neto. O segundo, o VII Congresso Interamericano de Municípios, ocorreu no Rio de Janeiro
O Tema III teve como eixo de discussão O Município em Face do Planejamento Regional e os debates se deram a partir da conferência La Organización del Plan Regular de la Ciudad de Buenos Aires y el Planeamento del gran Buenos Aires, proferida por Carlos Mouchet (professor de Direito da Universidade de Buenos Aires - UBA) e Eduardo Sarraih (professor de Urbanismo, também da UBA). O debate deu-se sobre o próprio conceito, ou seja, o que significariam planeamiento e planificación. As intervenções de cada participante sugerem uma ideia básica de que, para os urbanistas, a planificación referia-se ao planejamento físico, enquanto planeamiento tratava-se de uma abordagem mais nacional, de caráter econômico, para fins de produção de infraestrutura territorial para as atividades econômicas. Quem apresentou uma ideia menos direcionada a essa separação entre planificación e planeamiento foi o paulista Carlos Lodi, da Prefeitura de São Paulo. Seu argumento está pautado na ideia de que o problema seria menos o conceito e mais a falta de entrosamento entre as escalas de planejamento nacional, estadual e municipal.
Esse Seminário contou com a participação do cubano Carlos Morán, que era o secretário-geral da OICI e estava no Brasil para a realização do segundo evento, ou seja, o VII Congresso Interamericano de Municípios, que ocorreu no Rio de Janeiro. Neste caso, a discussão sobre o planejamento regional e suas relações se deu na Sessão III sobre Serviços Públicos Municipais e, entre os autores, destaca-se o trabalho “Planejamento Urbano e Planejamento Regional – sua Interligação”, apresentado por José de Oliveira Reis. Na sua apresentação, abordou questões também relacionadas ao transporte e ao tráfego, sem passar, no entanto, por questões relacionadas à habitação, tema que ele nunca abordou ao longo de sua trajetória profissional como chefe da Comissão do Plano da Cidade e diretor do Departamento de Urbanismo, ambas as instituições da prefeitura do Rio de Janeiro.
Enfim, se entre 1950 e 1956, ocorreu aquela convergência em relação à institucionalidade do debate sobre o planejamento, especialmente com a criação da SIAP e, depois, com sua incorporação ao escopo de atuação do CINVA, até o início da década de 1960, esses outros eventos aprofundariam os debates e o interesse dos profissionais latino-americanos pela discussão sobre o planejamento urbano-regional. Um processo caracterizado, inclusive, por um movimento de aproximação com a península ibérica, especialmente com o Instituto de Estudios de Administración Local da Espanha, que, em 1955, propôs e realizou o primeiro Congreso Iberoamericano de Municipios, em Madrid, Espanha; Lisboa, Portugal; Brasília, Brasil; Barcelona, Espanha e Santiago do Chile, entre os anos de 1955 e 1969.
Nesse momento, entrada da década de 1960 e até início dos anos 1970, uma parte dos países latino-americanos já havia criado as suas instituições nacionais governamentais, ou mesmo instituições privadas e universitárias. Na Venezuela, a Oficina Central de Coordinación y Planificación (1958), o Centro de Estudios del Desarrollo (1960) e a Sociedad Venezuelana de Planificación. No Brasil, a SUDENE, o Banco Nacional da Habitação (BNH), o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SSERFHAU), e a Sociedade Brasileira de Planejamento. No Chile, o Ministerio de Vivienda y Urbanismo; o Instituto de Vivienda, Urbanismo y Planeación da Facultad de Arquitectura da Universidad de Chile; o Centro de Investigaciones en Desarrollo Urbano y Regional da Universidad Católica e a Oficina de Planeación Nacional.
É dessa época um amplo espectro de planos nacionais de desenvolvimento econômico, alguns deles com incorporação de temas mais específicos em relação ao planejamento urbano e à habitação. Por outro lado, parte importante dos países latino-americanos já tinha passado ou passaria por golpe de estados que resultaram em ditaduras civil-militares que se impuseram com seu autoritarismo e vínculo estreito com os interesses econômicos norte-americanos. Período marcado por rupturas importantes nas trajetórias nacionais em diversas dimensões e com particularidades nacionais, inclusive em relação aos debates no campo do planejamento urbano-regional e habitação (Leme, 2019). Ainda assim, é fato que as instituições supranacionais, como OICI, CINVA, SIAP, seguiram com suas atividades. No caso da SIAP, com suas publicações, consultorias, e congressos, além das atividades das Sociedades Nacionales de Planificación, que funcionavam como representação nacional oficial e realizavam atividades paralelas e em cooperação com a entidade.
O caso brasileiro, nesse sentido, é muito interessante. Momento em que o país amanheceu iluminado pelo sol que percorreu o céu do cerrado na inauguração de Brasília, no dia 21 de abril de 1960 e adormeceu na escuridão dos porões da ditadura, recrudescido com a política de Estado definida pelo Ato Institucional n. 5, no dia 13 de dezembro de 1968 (Faria, 2019). Foi nessa década de 1960 que os profissionais brasileiros discutiram e pensaram o futuro das cidades no Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Rio de Janeiro e em São Paulo, com especial atenção às propostas de um Plano Nacional Territorial e um Plano Nacional de Habitação.
No entanto, o golpe de 1964 fez mudar os rumos sonhados nesse Seminário em relação às cidades brasileiras, ainda que não tenha eliminado o debate sobre as políticas urbanas e habitacionais. Tanto que, desde os primeiros momentos do golpe, não só avançou o processo de institucionalização, como tentou-se operar um projeto político de nação delineado por planos nacionais de desenvolvimento macroeconômicos com sólida base espacial-territorial, coerente com esse desenvolvimento. Já no primeiro plano de governo, o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), entre seus instrumentos gerais de ação, consta um capítulo dedicado à política habitacional.
A pergunta que se deve fazer é: qual é o significado político das ações dos governos militares em relação ao que havia sido debatido sobre habitação e reforma urbana antes do golpe? O sentido dessa pergunta não pode ser outro que não o de formular a crítica a como os governos militares, com o suporte da tecnocracia federal, subjugaram uma concepção política de planejamento urbano como campo de ação que poderia reverter o profundo quadro de exclusão socioespacial que já vigorava no início da década de1960. O BNH foi tomado, em seus primórdios, por uma concepção financista, de interesse do mercado imobiliário, em detrimento das concepções de urbanismo e planejamento do próprio SERHAU.
Nesse sentido é que a resultante foi o silenciamento de um projeto político de nação ao qual o campo do planejamento urbano poderia ter sido incorporado como instrumento de transformação social. Silenciou-se um projeto político voltado à necessidade de discutir o desenvolvimento urbano com ações que pudessem enfrentar a atuação especulativa do mercado imobiliário, e construiu-se o que Gabriel Bolaffi (1979) vai formular como “falso problema”. Não entraremos aqui nos detalhes das disputas políticas e intelectuais que ocorreram dentro do próprio governo federal brasileiro e de suas instituições, mas reforçamos a ideia de que o quadro atual de uma crise urbana brasileira é a denúncia mais explícita e cotidianamente visível, nas cidades, da concepção política de planejamento urbano que vigorou a partir do golpe de 1964.
Uma consideração final: (re)pensar a América Latina a “contrapelo”
Em âmbito internacional, esse percurso foi, ainda, profundamente marcado pela concepção político-econômica da Ditadura Chilena na década de 1970, que se transformou no grande laboratório internacional e latino-americano do neoliberalismo radical. E como muito bem observou Mario Benedetti no prólogo à coletânea Poesia trunca de poesia revolucionária latino-americana, publicada em Cuba pela Casa de las Américas, “si el capitalismo entra en una irreversible crisis, pues se apela al fascismo”.
Finalizamos esse amplo – e, certamente, muito generalista – percurso com aquela pergunta inicial: “¿qué es la América Latina?” Talvez uma pergunta mais oportuna seja como se construiu a América Latina?, pois abre a possibilidade de construirmos nossas interpretações naquela perspectiva da “história a contrapelo”, desenvolvida por Walter Benjamin em sua Tese VII Sobre o Conceito de História, para que possamos formular análises sobre o pensamento urbano-regional dos profissionais latino-americanos e das lutas políticas da população trabalhadora numa perspectiva distinta da ideia de que o que aqui se formulou seja apenas produto de uma viagem iniciada nos diversos centros hegemônicos que a modernidade ocidental legitimou. Esse desejo não anula, no entanto, a difícil realidade das populações pobres, inclusive e sobre a latino-americana, ao ponto de assumirmos como premissa a afiada e potente indagação feita por Michael Löwy em seu estudo sobre as Teses de Walter Benjamin ao se (e nos) perguntar: “mas em que consiste a tradição dos oprimidos, senão na série descontínua de raros momentos em que a cadeia da dominação foi rompida?” (Löwy, 2005, p. 146).
Figura 7. Capa do livro Poesia Trunca. Acervo do autor.
Notas
1 Este trabalho é parte das pesquisas financiadas pelo CNPq na modalidade Bolsa de Produtividade
2 A versão original deste texto foi elaborada como conferência para o Seminário Internacional História da Habitação Social na América Latina realizado no segundo semestre de 2021. O seminário foi organizado conjuntamente por docentes da FAU-USP, FAU-UnB, FADU-UBA e UNAL-Colômbia. A versão atual incorporou mudanças que ocorreram na América Latina, especialmente em relação ao contexto político chileno.
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Rodrigo S. de Faria
Arquiteto e Urbanista. Mestre e Doutor em História. Investigador Externo no Centro de Investigaciones de História de la Vivienda en América Latina (CEIHVAL-FADU-UBA) / Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). Instituto Central de Ciências - ICC Norte, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU. - Gleba A. Universidade de Brasília – UnB. Campus Universitário Darcy Ribeiro - Asa Norte - Caixa Postal 04431. CEP: 70842-970 - Brasília / DF, Brasil.
https://orcid.org/0000-0001-5355-8532