Colaboraciones especiales                                              REGISTROS, ISSN 2250-8112, Vol. 20 (1) enero-junio 2024: 133-155

 

Lugar e representação institucional

O concurso para sede da CNM em Brasília, 2010-2016

Place and Institutional Representation: The Competition for the CNM Headquarters in Brasília, 2010-2016

 

Ana Iris de Oliveira Alves

Fernando Diniz Moreira

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

 

Resumo

Concursos de arquitetura desempenharam um papel fundamental na consolidação da arquitetura moderna no Brasil, pois muitos edifícios marcantes desta produção foram realizados por meio deles. A prática dos concursos continuou nas duas últimas décadas do século XX, introduzindo temas que contribuem para a compreensão da arquitetura contemporânea, embora a crise econômica inaugurada em 1979/1980 tenha comprometido a concretização de diversos projetos vencedores. A partir do início do século XXI, há um incremento na concretização de concursos de arquitetura, particularmente aqueles promovidos por instituições públicas. Um dos temas centrais da arquitetura contemporânea reside na forma como os edifícios conseguem estabelecer uma integração significativa com suas topografias específicas e com as pré-existências do lugar. Este artigo busca analisar tais questões nos projetos premiados do concurso para a sede da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em Brasília, iniciado em 2010 e concluído em 2016. O artigo está estruturado em três partes. A primeira oferece um breve retrospecto do papel dos concursos na consolidação da arquitetura moderna e contemporânea brasileira. A segunda se concentra no concurso da CNM, apresentando a instituição, o contexto do concurso e a análise do lugar. Por último, a terceira oferece uma análise detalhada dos projetos finalistas do concurso.

Palavras-chaves: arquitetura contemporânea, concurso de arquitetura, lugar, estratégia de projeto

 

Abstract

Architectural competitions played a fundamental role in the consolidation of modern architecture in Brazil, as many landmark buildings of this production were created through them. The practice of competitions continued in the last two decades of the 20th century, introducing themes that contribute to the understanding of contemporary architecture, although the economic crisis that began in 1979/1980 compromised the implementation of several winning projects. From the beginning of the 21st century, there has been an increase of architectural competitions, particularly those promoted by public institutions. One of the central themes of contemporary architecture lies in the way in which buildings manage to establish a significant integration with their specific topography and the pre-existence of the place. This article seeks to analyze these issues in the winning projects in the competition for the headquarters of the National Confederation of Municipalities (CNM) in Brasília, started in 2010 and concluded in 2016. The article is structured in three parts. The first offers a brief retrospective of the role of competitions in the consolidation of Brazilian modern and contemporary architecture. The second focuses on the CNM competition, presenting the institution, the context of the competition and the analysis of the place. Finally, the third offers a detailed analysis of the competition's finalist projects.

Keywords: contemporary architecture, architectural competition, place, project strategy



Os concursos de arquitetura são uma excelente oportunidade para revelar as particularidades da produção arquitetônica de uma determinada época. Na medida em que os arquitetos participantes são desafiados a desenvolverem soluções diversas e originais para um mesmo sítio e programa, os concursos podem constituir oportunidades de conhecimento para profissionais e estudantes. Além disso, concursos de arquitetura podem contribuir para temas desafiadores para a nossa disciplina, como o desenvolvimento de práticas mais sustentáveis de construção, entre vários outros. Eles ainda revelam novos talentos, visto que muitos hoje renomados profissionais tiveram suas carreiras impulsionadas por participações bem-sucedidas em concursos. Ao envolverem tanto escritórios já consolidados quanto recém-formados, os concursos proporcionam um terreno igualitário, no qual jovens talentos podem se destacar.

Na medida em que o Estado foi o grande promotor da arquitetura moderna no Brasil, concursos de arquitetura para obras públicas desempenham um papel fundamental na consolidação da arquitetura moderna no país. Inúmeros projetos que marcaram a arquitetura moderna brasileira foram frutos de concursos promovidos pelo Estado, a exemplo do Plano de Brasília, aberto em 1956 e realizado em 1957. Entretanto, com o período do Regime Militar (1964-1985), tal prática arrefeceu-se. Segundo Marques (2011), após vinte anos a prática de concursos foi retomada em meados dos anos 1980, tendo como marco o Concurso Nacional para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro em 1984, vencido por Glauco Campello. Logo após, em 1985, era realizado o concurso para o SESC Nova Iguaçu, vencido por Hector Vigliecca e Bruno Padovano. Na dimensão urbana merecem destaque o Plano de Renovação Urbana e Preservação do Bairro do Bexiga de 1989, vencido pela equipe coordenada por Amélia Reynaldo e o concurso de reurbanização do vale do Anhagabaú, vencido pela equipe coordenada por Jorge Wilheim e Rosa Grenna Kliass em 1991

Esses projetos de concursos dos anos 1980 fizeram parte de um processo de revisão crítica e reflexão teórica que emergiu na década de 1980 por meio de debates, seminários, publicações e revistas que apresentaram temas novos e demonstraram a insatisfação com os rumos da arquitetura brasileira. Eles introduzirem novos temas, oriundos das revisões críticas da arquitetura moderna, que tinha passado ao largo na arquitetura moderna brasileira. Jovens arquitetos foram instigados pelas novas possibilidades formais e compositivas possibilitadas por um retorno e valorização da história, da memória e do contexto, além de discussões sobre tipologia. Procurou-se voltar à discussão da arquitetura como fenômeno que tem disciplina própria, com valorização e recuperação da forma arquitetônica como elemento autônomo e uma maior reflexão sobre o ato projetual. Entretanto, em meio à crise econômica que acometeu o Brasil na década de 1980 e 1990 o papel do Estado como grande promotor do desenvolvimento arrefeceu-se, e, consequentemente, poucos edifícios resultantes destes concursos foram concretizados.

No entanto, a partir de meados da primeira década do século XXI, observa-se um maior número de concursos públicos e de projetos vencedores sendo efetivamente concluídos. Estes concursos têm revelado projetos interessantes que contribuem para o entendimento do cenário da arquitetura contemporânea brasileira. A retomada dos concursos representa não apenas um ressurgimento de oportunidades para os arquitetos, mas também uma oportunidade para reavaliar o papel do Estado na promoção da arquitetura moderna.

Ao exploramos as estratégias utilizadas para representar uma instituição estatal por meio de sua arquitetura, uma questão central emerge: Como encontrar o delicado equilíbrio repetido entre a transparência democrática e a capacidade de criar marcos arquitetônicos que transcendam o tempo, ou seja, quais estratégias podem ser adotadas para torná-los francos, abertos e receptivos, ao mesmo tempo em que se destacam como marcos na paisagem, refletindo as transformações sociais e políticas do momento? Assim, a relação dos novos edifícios resultantes de concursos com o lugar assume uma importância inegável, tendo em vista que na maioria das vezes as equipes participantes de um concurso têm poucas oportunidades de interpretar um sítio com mais profundidade ou até mesmo de visitá-lo, apesar de este não ser um empecilho, pois alguns editais de concursos conseguem prover material suficiente para a compreensão do contexto físico e cultural do objeto do concurso. Aprofundando a discussão sobre a relação entre arquitetura e lugar, podemos explorar como os edifícios provenientes de concursos conseguem estabelecer uma integração significativa com suas topografias específicas e considerar as pré-existências do lugar. Dentro dos limites do terreno, a capacidade de inserção em topografias desafiadoras revela não apenas a competência técnica, mas também um compromisso com a harmonia entre a construção e o entorno.

Além disso, torna-se fascinante analisar como esses edifícios gerenciam a diversidade do público que os frequenta. Como foram agenciados os diferentes fluxos e acessos para acomodar usos diversos dentro do edifício? A conciliação entre espaços mais abertos e propícios para a convivência, juntamente com ambientes mais introspectivos, é um desafio significativo. Essa busca pela articulação de áreas que promovem a interação social e espaços destinados à permanência, como para o estudo ou atividades administrativas, reflete não apenas a complexidade técnica, mas também uma compreensão profunda das necessidades e dinâmicas do usuário.

Ao abordar como essas estruturas respondem a diferentes demandas e características do lugar, destacamos exemplos específicos de projetos provenientes de concursos que demonstraram boas práticas na integração com o entorno e na criação de ambientes multifuncionais que atendem às variadas expectativas do público, como a Biblioteca Nacional de Brasília, o Museu de Arte do Rio (MAR), o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), entre outros.

O objetivo central deste artigo é analisar como o lugar foi interpretado nos projetos premiados do concurso para a sede da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em Brasília, Distrito Federal. O concurso em questão ocorreu em 2010, consistindo em uma única etapa de estudo preliminar, e o projeto vencedor foi efetivamente construído entre 2011 e 2016. Também fruto de um concurso e construída na segunda metade dos anos 1950, Brasília é um dos mais perfeitos exemplares do urbanismo moderno, tendo sido incluída na lista de patrimônios mundiais em 1987. Sua ocupação tomou algumas décadas, tendo algumas de suas áreas residenciais (as asas do plano piloto) completadas apenas nos anos 1990 e algumas áreas destinadas a órgãos públicos terem sido ocupadas ainda mais recentemente.

No caso específico em estudo, abordaremos as características paisagísticas do Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) em Brasília, onde está localizada a sede da CNM, composto predominantemente por construções de três a quatro pavimentos e uma considerável área verde.

Este estudo é fruto de uma pesquisa mais ampla, que examinou diversos concursos de arquitetura no Brasil no século XXI, no qual três exemplares foram selecionados para uma análise mais detida em três cidades diferentes. Para cada concurso, foi feita uma apresentação do certame, o contexto do lugar, a exposição dos projetos e uma análise comparativa. Os procedimentos metodológicos utilizados incluem avaliação das propostas com base nos desenhos técnicos submetidos ao concurso, a análise do edital, a equipe de projeto, a avaliação do júri e a presença em periódicos pertinentes.

No caso aqui estudado neste artigo, a análise comparativa dos três projetos premiados no concurso visa mostrar como cada proposta abordou e respondeu às características e demandas do lugar, identificando qualidades, desafios e soluções arquitetônicas relevantes. Esta análise busca compreender como os novos edifícios se relacionam com o lugar, oferecendo insights sobre o uso do lugar como estratégia de projeto, contribuindo para o conhecimento da arquitetura contemporânea brasileira.

O artigo está estruturado em três partes. A primeira oferece um breve retrospecto do papel dos concursos na consolidação da arquitetura moderna e contemporânea brasileira. A segunda se concentra no concurso da CNM, apresentando a instituição, o contexto do concurso e a análise do lugar. Por último, a terceira oferece uma análise detalhada dos projetos finalistas do concurso para uma compreensão mais profunda de como a arquitetura contemporânea responde aos desafios impostos pelo lugar onde estão inseridos e como melhor representam a instituição.

 

Concursos de arquitetura

Na presente pesquisa, a importância do concurso é dada principalmente por constituir um recorte adequado no qual os arquitetos são estimulados a entender o contexto histórico, cultural e social do lugar onde estão projetando, que de outro modo, talvez, passariam despercebidos. Além de um sistema robusto para selecionar uma boa solução para o problema arquitetônico, o concurso é uma fonte relevante de geração de conhecimento em arquitetura. Em geral, projetos desenvolvidos para concursos são canais de reflexão que se assemelham a instrumentos de pesquisa em projeto e isto se deve à estruturação de seus processos de concepção, que envolvem:

Problemas de arquitetura normalmente expressivos e potencialmente referenciais (por essa razão são submetidos a concursos), com elaboração e fundamentação pormenorizada por arquitetos (organizador) e técnicos especializados no problema a ser resolvido (promotor); os quais serão estudados, investigados e elaborados através do projeto de arquitetura por inúmeras equipes de arquitetos de todo o país (participantes), amparados por consultores multidisciplinares (equipes de projeto), usando seus melhores recursos técnicos e gráficos (estimulados pela concorrência) para dar a resposta arquitetônica idealizada à competição, de forma democrática (os concursos públicos são abertos a todos os arquitetos de qualquer geração ou filiação). Finalmente, no juízo desta produção, estão os agentes (júri) hipoteticamente mais qualificados para analisar as especificidades do projeto (representantes do promotor no júri) e julgar as qualidades da arquitetura (representantes dos arquitetos no júri). Ou seja, mesmo com retrospecto de polêmicas, é seguramente o processo em que cada etapa passa pelo maior rigor em relação à seleção da melhor proposta. (Marques e Miron, 2021, p.19)

Ao reunir uma diversidade de participantes além dos próprios autores dos projetos, o concurso de arquitetura tem o mérito de proporcionar múltiplas perspectivas e posicionamentos diante de um problema específico. Isso vai além dos propósitos práticos da construção, permitindo uma dimensão de reflexão e conhecimento coletivo. Além disso, é importante ressaltar que eles oferecem uma plataforma na qual “a representação assume características próprias, peculiares, em parte diferentes daquelas utilizadas na apresentação usual de um projeto ao cliente” (Fialho, 2007, p. 21). Esse uso se manifesta em diversas instâncias, como publicações, matérias de revistas, editais de concursos, atas de julgamento e memoriais descritivos, consolidando-se como uma ferramenta essencial na explicação dos projetos.

Dessa forma, o projeto de arquitetura se torna uma ferramenta de pesquisa e o concurso é um ambiente privilegiado para o projeto, tornando-o um rico objeto de pesquisa, principalmente devido à reunião de diferentes autores que pensam em um mesmo terreno e situação, resultado em interpretações diversas. Isso evidencia a multiplicidade de possibilidades para um determinado tema arquitetônico, mesmo que as condições básicas sejam iguais para todos (Marques e Miron, 2021; Neves, 2011, p.154). Para Sobreira (2019 p. 9), os concursos constituem “um importante acervo de ideias, debates, conceitos e propostas” que funciona a partir da definição do objeto/problema e definições preliminares como nível, tipo, premiações e comissão julgadora. São utilizados em níveis distintos de desenvolvimento dos projetos, concursos de ideias, Concurso de Estudo Preliminar, Concurso de Anteprojetos

Assim, os concursos são uma chave significativa para compreender e analisar a arquitetura contemporânea. A leitura das diferentes partes envolvidas em diferentes áreas pode lançar luz não apenas sobre a existência da preocupação com o lugar nas metodologias de projeto, e das soluções tipológicas, projetuais e técnicas adotadas pelos arquitetos, mas também compreender a importância do lugar na avaliação do júri para a seleção do projeto vencedor. Essas questões permitem identificar a importância do lugar nos projetos arquitetônicos urbanísticos e compreender sua integração na criação de um projeto de melhor qualidade arquitetônica.

Concursos de projetos existem há mais de dois mil anos como elemento provocador de ideias arquitetônicas (Sobreira, 2019, p. 3). Atualmente, essa prática é amplamente adotada no mundo, com diferentes intensidades, a exemplo da França com cerca de 1000 concursos por ano, e o caso do Brasil com uma média histórica inferior a 10 concursos anuais (Sobreira, 2019).

Nos estudos realizados por Sobreira (2019), Marques e Miron (2021) e Fialho (2007), há um consenso de que os concursos de projetos também representam uma valiosa plataforma para os profissionais em início de carreira. Eles oferecem aos jovens arquitetos, o acesso à prática, visibilidade e a possibilidade de ascensão ao mercado de trabalho, até mesmo que seus projetos não tenham sido premiados.

Arquitetos muito atuantes hoje no círculo internacional foram revelados por meio de concursos. Este foi o caso de Bernard Tschumi, por meio do Concurso do Parque de La Villete em Paris (1982) e Daniel Libeskind por meio do Museu Judaico em Berlim (1988) que marcaram a arquitetura das décadas de 80 e 90. Apenas a partir destes concursos é que estes arquitetos estabeleceram efetivamente seus escritórios, tornando-se reconhecidos internacionalmente.

Além de oferecer aos arquitetos uma oportunidade de exercitar suas capacidades, os concursos também podem ser de grande valia para os jovens arquitetos, a exemplo do Pavilhão do Brasil em Sevilha (1990) que conferiu grande visibilidade a Angelo Bucci e a Alvaro Puntoni, arquitetos que se destacariam a partir do início do século XXI e o projeto de Pedro Duchesnes e Gustavo Utrabo para a Escola Bradesco em 2017. No Brasil, escritórios tem se destacado por vencerem concursos, como o Tryptique, o Estudio 41, Dal Pian Arquitetos, Nonato Veloso, Andrade Morettin Arquitetos e DMDV Arquitetos. Além desses, o escritório Hector Vigliecca e Associados se notabiliza por vencer vários concursos na área de habitação social.

Apesar do concurso ser um objeto promissor para pesquisas e experimentações no meio acadêmico, contamos com um número ainda tímido de estudos sobre o assunto. No livro Dinâmicas em jogo: concurso de arquitetura no Brasil (2019) Fabiano Sobreira, que tem atuado fortemente em defesa dos concursos, narra a história da arquitetura moderna brasileira a partir da perspectiva dos concursos realizados no país entre 1935 e 2018. Ele apresenta a competição como um embate travado em arena pública fazendo uma análise dos concursos sob à luz das “dinâmicas do jogo” no qual identifica seus principais componentes: as regras, os jogadores, as estratégias e o julgamento.1 Reunindo projetos resultantes de concursos no Rio Grande do Sul, Sérgio Marques e Luciana Miron (2021) apresentam um rico material sobre as tendências e o pensamento arquitetônico contemporâneo no sul do Brasil.

A temática “concursos” tem sido objeto de muitas teses de doutorado. A tese de Valéria Fialho lança um novo olhar sobre momentos relevantes da história dos concursos de arquitetura no Brasil e discute a importância da representação no desenvolvimento e compreensão do projeto arquitetônico e o papel do material gráfico produzido pelos arquitetos na divulgação e aceitação das ideias (Fialho, 2007). Nonato Veloso (2014) concentra-se nos concursos de arquitetura paulista compreendidos neste período. Maria Flynn (2000) realiza um histórico dos concursos de arquitetura no Brasil em cinco séculos. Já a tese de Eduardo Suzuki (2016) pesquisou 29 anos de concursos nacionais e faz reflexões sobre valorização e eficiência da temática.

Os projetos desenvolvidos para os concursos, juntamente com as atas dos júris, os memoriais dos participantes, estudos e reportagens decorrentes desses eventos, fornecem informações que refletem o contexto da produção arquitetônica. Tanto arquitetos renomados quanto aqueles menos conhecidos, inovadores ou conservadores, com abordagens divergentes, têm suas obras inseridas no panorama da produção contemporânea, em um determinado tempo e espaço, com motivações específicas. Isso possibilita a discussão do momento e a comparação de diferentes soluções adotadas para um mesmo problema (Santos, 2002, p. 7). Diante da importância dos concursos no meio arquitetônico, os projetos desenvolvidos para esses eventos se tornam objetos de estudo desta pesquisa, especialmente pela reunião de diferentes autores pensando sobre um mesmo terreno e situação, com interpretações diversas.

Outra questão de grande importância é a representação utilizada pelos concorrentes durante a competição. Nos projetos submetidos a concursos, os recursos visuais e textuais são amplamente explorados para facilitar a compreensão, geralmente incluindo desenhos do projeto (plantas, cortes, elevações), croquis, maquetes, diversas perspectivas, memorial descritivo, partido arquitetônico, conceito e representação gráfica. De acordo com Fialho (2007, p. 56), “o material ilustra como cada profissional encarou o problema e de que maneira deu forma ao desenho proposto e as atas que apresentam a preocupação de um discurso legitimador de resultados”. Esses elementos envolvem aspectos técnicos, estéticos, práticos e financeiros.

Segundo Fialho (2007), todas as etapas de apresentação do projeto envolvem argumentos persuasivos, nos quais o autor busca deliberadamente convencer os jurados da sua maneira de pensar um determinado problema. Ela ainda acrescenta que “as atas e os textos explicativos têm o papel não apenas de divulgar resultados, mas também de comunicar e conquistar a opinião de um público específico e na maioria cético, além de convencer o promotor (cliente) da certeza do resultado” (Fialho, 2007, p. 23).

A pesquisa e investigação de concursos arquitetônicos como um todo se mostram particularmente interessantes para inovação, criatividade, exploração, estímulo à reflexão crítica, documentação histórica e desenvolvimento profissional. Assim, com base nessas premissas, a pesquisa precedente a este artigo realizou um estudo abrangente dos concursos ocorridos no Brasil na última década, no período de 2010 a 2020.2 Além de fornecer informações detalhadas sobre os concursos do país, o recorte temporal entre 2010 e 2020 foi essencial para contextualizar e analisar o posicionamento da arquitetura contemporânea, particularmente pelas lacunas na historiografia sobre a arquitetura contemporânea brasileira, durante o período em questão.

A partir da catalogação dos concursos de projetos arquitetônicos no Brasil entre 2010 e 2020, foram identificados um total de 46 concursos, sendo que apenas 10 foram concluídos com a efetiva construção do edifício.3 Os registros revelam uma variedade de eventos, cobrindo diferentes estados brasileiros e até mesmo países estrangeiros. Ao longo da década, observaram-se flutuações na quantidade de concursos, atingindo seu ponto mais baixo em 2015 (Figura 1), possivelmente influenciado pelos desafios econômicos e políticos enfrentados pelo Brasil na época.

Destaca-se uma predominância de concursos nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, com destaque para o Distrito Federal e São Paulo (Figuras 2 e 3). Os temas predominantes abrangem diversas categorias, com destaque para sedes institucionais e serviços, bem como espaços culturais (Figura 4). A pesquisa aprofundou-se na análise de dez concursos que resultaram em obras construídas, sendo sete delas acessíveis para visitação, com especial atenção para sua relevância social e cultural.

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Figura 1. Gráfico concursos de arquitetura no Brasil – 2010-2020. Alves, 2023.

 

Gráfico

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Figura 2. Gráfico concursos de arquitetura por região – 2010-2020. Alves, 2023.

 

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Figura 3. Gráfico concursos de arquitetura por estado – 2010-2020. Alves, 2023.

 

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Figura 4. Gráfico concursos de arquitetura por tema – 2010-2020. Alves, 2023.

 

Dentre esses, três concursos, representado diferentes regiões do país, foram escolhidos para uma investigação mais detalhada: a sede da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) no Distrito Federal, a Sede da Inspetoria do CREA-PB na Paraíba e o Museu Instituto Moreira Sales (IMS) em São Paulo. Neste artigo, pela limitação do espaço, adotaremos como objeto de estudo o concurso para a Sede da CNM, explorando seus detalhes e construções para a arquitetura contemporânea brasileira no que se refere à integração com a temática do lugar.

 

O concurso da CNM: a instituição, o concurso e o lugar

A instituição

A CNM é uma entidade representativa dos municípios brasileiros que visa o fortalecimento das cidades em um contexto democrático. Foi fundada em 1980 em um momento no qual o Brasil experimentava um período de relaxamento do Regime Militar (1964-1985) e de reativação das forças da sociedade civil democráticas e partidárias para a redemocratização. A instituição visa fortalecer os municípios por meio da descentralização administrativa da União e dos estados e entre suas ações constam: proporcionar assessoria política, técnica e administrativa para encaminhamento de soluções às demandas dos municípios, representar estes municípios nas esferas estaduais e federais, acompanhar a ação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, intervindo conforme os interesses dos Municípios, estabelecer convênios com instituições públicas e privadas no sentido de viabilizar estudos técnicos e elaboração de projetos comuns nas áreas de educação, saúde, habitação, e assistência social e promover intercâmbios e troca de experiências em projetos e ações de interesse dos municípios, além de diversas outras ações em prol dos municípios (CNM, 2024). Apesar de ser CNM uma organização independente, apartidária e sem fins lucrativos, a ação da CNM tem as caraterísticas de um órgão estatal na medida em que reúne prefeitos eleitos democraticamente e busca fortalecer a autonomia dos municípios por meio do incentivo à excelência na gestão e à qualidade de vida da população.

O municipalismo é uma ideologia política que teve origem nos anos 1940 e que busca oferecer mais autonomia para as cidades por meio de uma descentralização da administração pública. Os defensores do municipalismo defendem a importância do município, uma vez que é nesse espaço no qual o cidadão vive e se trabalha diariamente (Fabriz, 2010, Melo, 1993). No Brasil os municípios são responsáveis pelas principais ações junto às populações mais carentes, como prover ensino básico, saúde e transporte, mas possuem poucos recursos para tal, dada a organização tributária brasileira que concentra grande parte dos recursos arrecadados na esfera federal. A grande maioria dos municípios enfrentam dificuldades de implementar políticas ou mesmo de manter os serviços existentes. A CNM, portanto, representa estes municípios e tem sido um ator político importante nas décadas seguintes a redemocratização.

O concurso

Apesar de sua importância a CNM não tinha uma sede própria até que foi realizado um concurso para a nova sede em setembro de 2010. Realizado em uma única etapa de nível estudo preliminar, o concurso foi organizado como concurso aberto pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) Departamento do Distrito Federal (IAB-DF) e os resultados foram divulgados em dezembro do mesmo ano. Foram submetidas 89 propostas consideradas aptas para avaliação da Comissão Julgadora composto por 5 membros: os Arquitetos e Urbanistas Alexandre Brasil (MG), Camila Leal (PB), Karolina Ziulkoski (RS), Luciano Margotto (SP) e Mario Figueroa (SP).

O objetivo do concurso era selecionar uma solução arquitetônica adequada para a construção da sede da CNM em um terreno de 5.000 m² em Brasília. O projeto vencedor, desenvolvido pelo escritório Mira Arquitetos de São Paulo (SP), destacou-se entre as 89 propostas, sendo seguido pelo escritório VA Arquitetura e Consultoria de Curitiba (PR) em segundo lugar e pelo escritório Projeto Paulista de Arquitetura de São Paulo (SP) em terceiro lugar.4

O projeto vencedor foi construído entre 2011 e 2016, recebendo reconhecimento em revistas especializadas5 e sendo indicado ao Prêmio ArchDaily Building of the Year 2017. Além disso, ganhou destaque em portais de arquitetura, como o Portal Vitruvius.6

A estrutura do concurso foi delineada em quatro partes: a apresentação da proposta e a divulgação do resultado em 2010; o início do desenvolvimento do projeto com revisões e contratações necessárias; a execução da obra a partir de 2011, acompanhada pelos portais de arquitetura; e a conclusão da obra em 2016, seguida das publicações e repercussões do projeto. Este processo abrangente permitiu não apenas a escolha do projeto vencedor, mas também a sua efetiva realização e reconhecimento ao longo do tempo (Figura 5).


 

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Figura 5. Cronologia Concurso da sede da CNM-DF. Alves, 2023.

 


O Lugar: Brasília

Fundada em São Paulo, a CNM transferiu sua sede para Brasília em 1997. Projetada por Lúcio Costa e inaugurada em 1960, a cidade é um marco mundial do urbanismo moderno. Seu Plano Piloto, notável por cruzamentos estratégicos e a formação de superquadras residenciais ao longo do Eixo Rodoviário, delineia a estrutura físico-espacial de forma inovadora, definindo a localização, dimensão e forma geral das edificações sem comprometer a visão global projetada para a cidade. A partir disso, foram estabelecidos setores nos quatro cantos formados pelo cruzamento das vias, como Setor de Diversão (SDN e SDS), Setores Culturais (SCTN e SCTS), Setores Bancários (SBN e SBS), Setores Autarquias (SAUN e SAUS), Setor Médico Hospitalar (SMHS e SMHS) e Setor de Rádio e TV (SRTVS e SRTVN). Com seu traçado urbano linear e arranjos ritmados, Brasília caracteriza-se pela horizontalidade, evidenciando edifícios mais altos concentrados na região central. Devido à sua importância histórica e arquitetônica, a cidade foi tombada pelo IPHAN em 1990 e inscrita na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO em 1987.

A CNM ocupou um lote da Setor de Grandes Áreas Norte, designada para uma variedade de instituições, incluindo órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, instituições beneficentes, educacionais, culturais, religiosas, associações de classes, empresas de pesquisa cientifica e centros de saúde. O lote designado para a CNM foi o módulo N da Quadra 601, Módulo “N” (Figura 6). Notamos que o entorno é marcado por construções de três a quatro pavimentos, calçadas estreitas e uma generosa área verde (Figura 7). Conforme especificado no edital do concurso para a Sede da CNM (2010).8


 

Figura 6. Localização edifício sede da CNM-DF. Google Earth, adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 7. Imagens do entorno do edifício sede da CNM-DF. Alves, 2023.

 


Tais disposições são regidas por normas legislativas municipais, como a Taxa de Ocupação (TO) máxima e a Taxa Máxima de Construção permitida, que exercem influência direta sobre as características morfológicas do lugar. A topografia suavemente ondulada de Brasília se integra com elementos arquitetônicos e urbanos, criando uma paisagem única. O conceito de chão livre, associado ao plano urbanístico de Brasília, é caracterizado por amplos espaços abertos e áreas verdes, evidenciando uma forte integração com a natureza em toda a cidade.

Dessa forma, a análise da Sede da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em Brasília torna-se não apenas uma exploração arquitetônica singular, mas também uma reflexão sobre como a cidade como um "lugar" influencia e é influenciada pela arquitetura contemporânea. Essa interação dinâmica entre o conceito geral de lugar e a especificidade de Brasília enriquece nossa compreensão da interconexão entre espaço, arquitetura e cultura

Na geografia, o conceito de lugar, apresentado pelo geógrafo Yi-Fu Tuan em sua obra Espaço e lugar (1983), está associado ao espaço como elemento ambiental intimamente relacionado à experiência humana. Ele argumenta que “o lugar é segurança e o espaço é liberdade, estamos ligados ao primeiro e desejamos o segundo” (Tuan, 1983, p. 3).

Portanto, o lugar é compreendido como um espaço7 construído socialmente, por meio da experimentação direta com seus elementos ou pela sua identidade. É marcado pela percepção, experiência e valores. Vale ressaltar que, embora o lugar seja compreendido como uma construção social, ele também possui uma dimensão concreta no contexto desta pesquisa arquitetônica e urbanística. O lugar possui texturas e estabelece relações físicas com outros edifícios e elementos espaciais.

Norberg-Schulz introduziu a visão do genius loci ao identificar o potencial fenomenológico na arquitetura como a “capacidade de dar significado ao ambiente mediante a criação de lugares específicos”. Ele define o do genius loci como a “ideia do espírito de um determinado lugar, que estabelece um elo com o sagrado e cria um “outro” ou um oposto com o qual a humanidade deve defrontar a fim de habitar” (Norberg-Schulz, [1980] 1996, p. 443), ou seja, estar em paz num lugar protegido. Para o autor, um lugar que é apenas adequado para determinados fins logo se torna inútil. Proteger o genius loci, o espírito do lugar, “implica concretizar sua essência em contextos históricos sempre novos” (Norberg-Schulz, [1980] 1996, p.454).

O lugar é compreendido como um espaço rico de experiências, onde ocorrem interações sociais e estabelecem-se relações físicas com outros edifícios. O lugar é dinâmico, singular se manifesta através das percepções das pessoas. Além disso, desempenha um papel instrumental na compreensão de fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos nos ambientes urbanos contemporâneos. Portanto, ao projetar novos espaços, é fundamental adotar uma abordagem cuidadosa que estabeleça um diálogo respeitoso com o sítio. A construção de lugares assume uma importância vital na qualificação das cidades contemporâneas, e o cenário urbano brasileiro reforça a necessidade de realizar análises aprofundadas para compreender e interpretar adequadamente o lugar.

Aprofundando nosso entendimento sobre o conceito de lugar e sua influência na arquitetura contemporânea, podemos agora aplicar esses princípios à análise específica da cidade de Brasília. Ao considerarmos a geografia como fator preponderante na definição de lugar, percebemos que Brasília, a capital do Brasil, se destaca como um exemplo fascinante e complexo.

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Figura 8. Plantas da proposta 1º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023.

 

Vista de un puente

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Figura 9. Perspectiva da proposta 1º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023

 

Os projetos

Nesta etapa foi realizada uma análise crítica, destacando o estudo do lugar, buscando estabelecer comparações entre os três projetos premiados. Dessa forma, foi possível identificar como cada projeto abordou e se adaptou às características e demandas especificas do lugar em questão. Essa abordagem comparativa possibilitou a análise das qualidades, desafios e soluções arquitetônicas relevantes, assim como a compreensão das relações estabelecidas com o entorno no contexto desse concurso.

O projeto vencedor do concurso para a Sede da CNM, de autoria do Escritório Mira Arquitetos, apresentou uma proposta com oito níveis, incluindo subsolos, áreas coletivas e administrativas, e uma cobertura recreativa (Figura 8). O edifício tem proporções horizontais que respeitam o gabarito máximo permitido no local. Sua volumetria é composta por uma caixa de vidro e metal que repousa sobre um embasamento de concreto.

Essa caixa é protegida por uma segunda pele, constituída por réguas perfuradas, brises, que garantem a qualidade térmica das áreas internas e estabelecem uma conexão visual com o entorno ao permitirem estabelecer limites visuais e, ao mesmo tempo, promover ligações entre o interior e o exterior. Nesse caso específico, foram empregados brises horizontais retos fixados nas fachadas Norte e Sul, uma disposição adequada para otimizar a climatização. As linhas definidas e as superfícies de concreto armado adotadas refletem claramente a influência do movimento moderno. Apesar de seu tamanho imponente, o edifício apresenta uma leveza, sobriedade e neutralidade que interagem de forma harmoniosa com o local em que se insere (Figura 9).

No aspecto construtivo, foram adotadas estratégias sustentáveis, como o uso de brises horizontais, espelho d'água para reutilização da água e ventilação cruzada. Algumas alterações foram realizadas no projeto executivo, a planta foi espelhada e houve uma redistribuição do programa em sete níveis, sendo que apenas dois níveis foram destinados ao subsolo para abrigar o estacionamento, ao invés dos três níveis inicialmente propostos. Essa reorganização do programa ocorreu em todas as plantas do edifício, visando otimizar a distribuição dos espaços e atender às necessidades funcionais de forma mais eficiente (Figuras 10 e 11).

 


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Figura 10. Plantas do projeto executivo 1º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. MAPA Arquitetos, 2013, adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 11. Perspectivas da sede da CNM-DF. Archdaily, por Leonardo Finotti, 2013, adaptado por Alves, 2023.

 


O projeto seguiu diretrizes do edital, enfocando conceito, inovação, sustentabilidade, contextualização urbana, entre outros critérios. A equipe destacou-se pela criação de um espaço metropolitano integrado à paisagem e pelo cuidado com a biodiversidade vegetal.

A avaliação do júri reconheceu a maturidade técnica, expressividade do design e agenciamento eficiente do programa. Houve sugestões para ajustes, mas o projeto recebeu grande visibilidade em periódicos especializados, evidenciando sua relevância na comunidade arquitetônica.

O estudo do lugar foi crucial para o êxito do projeto, evidenciando a cuidadosa compreensão do entorno e a busca por uma conexão significativa com o ambiente circundante. Essa abordagem evidencia a importância do contexto local na concepção e execução de projetos arquitetônicos bem-sucedidos.

O segundo lugar no concurso para a Sede da CNM foi conquistado pelo escritório VA Arquitetura e Consultoria do Paraná. A proposta apresentou sete níveis, incluindo subsolos, áreas coletivas, térreo para atendimento público e pavimentos administrativos (Figura 12) e destacou-se pela horizontalidade do conjunto, dividido em embasamento, pilotis e uma caixa suspensa (Figura 13).

A fachada transparente, utilizando malha de aço tensionada, buscou integrar o interior com o entorno. Estratégias conceituadas como "Oásis urbano" e "jardim interno" foram adotadas, criando um ambiente ajardinado como refúgio e transição entre o construído e o natural. A equipe considerou a contextualização urbana, ampliando o espaço público e estabelecendo uma relação acolhedora com a cidade.

O projeto propôs uma organização volumétrica em três estratos, com sistema estrutural que permitiu liberdade visual no pavimento térreo. Soluções ambientais ativas e passivas visaram a ecoeficiência, incluindo captação de águas pluviais, tratamento e reaproveitamento de águas cinzas, sombreamento das fachadas e uso de vegetação.

A avaliação do Júri destacou a expressividade da "caixa suspensa" e a qualidade do pátio-jardim, ressaltando o bom agenciamento da topografia. No entanto, foram apontadas ressalvas técnicas, como a contenção do pátio-jardim e deformação espacial do auditório. Apesar da menção no contexto geral do concurso, não foram encontradas publicações específicas sobre o projeto em periódicos.

 


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Figura 12. Plantas da proposta 2º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 13. Perspectivas da proposta 2º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 14. Plantas da proposta 3º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 15. Perspectivas da proposta 3º lugar do concurso para a sede da CNM-DF. concursosdeprojeto.org, 2010 adaptado por Alves, 2023.

 


O terceiro colocado no concurso para a Sede da CNM, desenvolvido pelo Escritório Projeto Paulista de Arquitetura, apresentou uma proposta com sete níveis, destacando-se por um edifício horizontal de formato retangular, apoiado por vigas, e uma fachada com estrutura metálica, remetendo ao modernismo brasileiro (Figuras 14 e 15).

O projeto adotou estratégias claras de diferenciação entre embasamento e edifício suspenso, reservados para funções públicas e administrativas, respectivamente. A equipe organizou cuidadosamente o embasamento em dois térreos distintos, com entradas separadas, criando espaços como a praça de água, rua lateral, praça interna e terraço de estar. Para o edifício suspenso, optou-se por uma tipologia em "U" com um vazio central, proporcionando luz, paisagem própria e integração das atividades.

A solução estrutural escolhida, com vigas apoiadas nas extremidades e grandes vãos, resultou em uma praça coberta desobstruída, destacando-se pela escolha da estrutura metálica pela sua agilidade construtiva e alta qualidade. Apesar de algumas ressalvas técnicas apontadas pelo Júri, como escavação excessiva e problemas de acesso ao estacionamento, a equipe recebeu elogios pela solução da planta de convívio e agenciamento do programa. Apesar de instigante, a proposta arquitetônica iria requerer ajustes técnicos para uma melhor adequação à realidade construtiva e às necessidades do usuário futuro.

 

Análise projetual

O concurso para a Sede da CNM-DF proporcionou uma oportunidade para arquitetos demonstrarem criatividade, com destaque para o projeto vencedor desenvolvido pelo escritório Mira Arquitetos. Além de ganhar reconhecimento, o concurso impulsionou discussões relevantes sobre temas como a relação entre arquitetura e lugar, inovação e sustentabilidade, tornando-se uma referência para outros profissionais da área.

Os três projetos premiados compartilham semelhanças nas soluções volumétricas, caracterizadas por caixas flutuantes alinhadas no terreno (Figuras 16-18). Embora o júri não tenha mencionado explicitamente a importância da relação com o lugar, alguns critérios do edital podem ter implicações indiretas nesse contexto. Por exemplo, a contextualização urbana e a adequação às normas podem exigir considerações específicas em relação ao entorno e às características do lugar. Além disso, a sustentabilidade socioambiental e a acessibilidade podem envolver aspectos relacionados ao local, como a integração com a paisagem, o uso eficiente de recursos naturais e a conexão com a infraestrutura existente.


 

 

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Figura 16. Projeto construído da sede da CNM-DF. Google Street View, 2021. Acesso em 2023.

 

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Figura 17. Colagem da 2ª proposta do concurso para a sede da CNM-DF. Base google streth view, 2021 adaptado por Alves, 2023.

 

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Figura 18. Colagem da 3ª proposta do concurso para a sede da CNM-DF. Base google streth view, 2021 adaptado por Alves, 2023.

 


O projeto do primeiro lugar buscou criar um espaço metropolitano em harmonia com o contexto urbano, integrando o edifício à paisagem construída. Para alcançar esse objetivo, o edifício foi projetado de forma a se conectar com a paisagem construída ao seu redor. Uma estratégia importante foi a posição da lâmina metálica, que foi posicionada de modo transferir visuais para a paisagem, permitindo que os usuários do edifício apreciem o entorno no uso cotidiano do edifício. Outra consideração importante foi o desenho do chão e a topografia que também buscaram conectar o projeto com o relevo local. Essas estratégias revelam a preocupação em compreender e valorizar as características específicas do lugar, promovendo a integração do edifício com o entorno. O júri enfatizou a representação da imagem institucional da CNM por meio da arquitetura.

Portanto, apesar do texto não abordar diretamente as preocupações do júri com o estudo do lugar, é possível inferir que a relação com o lugar foi considerada na avaliação, principalmente em termos de integração com a paisagem construída e a cidade. Além disso, é relevante mencionar que os membros da banca avaliadora apresentam consciência do valor da paisagem de Brasília, uma vez que o jurado Luciano Margotto foi co-autor do projeto da Sede do SEBRAE-DF, e os outros dois jurados, Alexandre Brasil e Mario Figueroa, também possuem forte ligação com o modernismo. Essa familiaridade com o contexto arquitetônico de Brasília pode ter influenciado suas avaliações e apreciações dos projetos apresentados.

O projeto do segundo colocado dialoga com o entorno imediato e a cidade como um todo, expandido o espaço público para dentro do terreno, criando uma praça de chegada receptiva e acolhedora e respeitando os grandes espaços públicos característicos de Brasília. Utilizando o conceito de "Oásis Urbano", o projeto incorpora elementos como jardins internos, água, sombreamento e vegetação para criar um ambiente mais saudável e agradável para o usuário. Essas estratégias evidenciam uma consideração cuidadosa do contexto urbano e com a imagem que a CNM desejava expressar por meio da arquitetura, levando em conta as características do entorno, as demandas da instituição e a identidade da cidade. A avaliação do júri destaca a expressividade da "caixa suspensa" e a qualidade do pátio-jardim, indicando uma atenção à relação do projeto com o ambiente.

O terceiro colocado apresentou estratégias de diferenciação arquitetônica entre embasamento e edifício suspenso, buscando uma organização cuidadosa do espaço. A redefinição da topografia, por meio de muros de arrimos e lajes de concreto, e a tipologia em "U" demonstram consideração pelo contexto físico e climático, apesar de ressalvas técnicas mencionadas na avaliação do júri. Embora não haja uma ênfase explícita na relação com o lugar, as estratégias descritas indicam uma preocupação com a integração do edifício ao entorno natural. O projeto levou em consideração a topografia do terreno, buscando redefini-la de forma a criar espaços livres diferenciados e valorizar a transição entre a rua e o interior do lote. Além disso, foram destacadas as melhores vistas e uma orientação solar favorável para os escritórios, demonstrando uma atenção especial à integração com o entorno natural e ao aproveitamento das condições climáticas

Em relação à representatividade da CNM, esta se revela no projeto arquitetônico construído por meio da funcionalidade na proporção de espaços adequados para suas atividades e na disposição dos espaços internos. Além disso, os três projetos, que apresentam uma volumetria semelhante, transmitem essa representatividade por meio de uma arquitetura imponente e marcante que comunica a seriedade e relevância da instituição. A questão da instituição também se manifesta no projeto ao incorporar espaços acessíveis e integrar-se harmoniosamente com o contexto urbano e arquitetônico ao seu redor, considerando a escala, proporção e materiais escolhidos.

Em todos os projetos, por exemplo, pode-se observar a ênfase na integração dos usuários com a paisagem construída e a adoção de estratégias para o bom desempenho ambiental do edifício. Esses projetos buscam transferir os valores visuais para a paisagem, incorporando a presença do entorno de considerável área verde ao uso cotidiano do edifício. No primeiro colocado, há a criação de um espaço metropolitano em harmonia com o contexto urbano e a busca por soluções construtivas claras e econômicas. Já o segundo colocado enfatiza a relação com o meio ambiente, valorizando a presença de espaços ajardinados e o uso de vegetação nativa, em linha com a abordagem de Martínez, que propõe uma arquitetura em harmonia com a natureza. Após uma análise comparativa dos projetos em relação ao estudo do lugar, destacando os conceitos de Juhani Pallasmaa e Christian Norberg-Schulz, conclui-se que o projeto do segundo colocado demonstra uma abordagem mais adequada nesse aspecto. Ao expandir o espaço público para dentro do terreno, promovendo a interação social e a integração com o entorno, e ao incorporar elementos naturais que proporcionam experiências sensoriais aos usuários, esse projeto reflete a importância da relação com o lugar.

 

Considerações finais

Este estudo sublinha a importância do estudo do lugar no âmbito do projeto arquitetônico e seu impacto direto na vida contemporânea, que acreditamos ser um elemento crucial para a qualidade de vida nas cidades atuais. Ao buscar uma análise aprofundada das propriedades e interpretações do lugar no cenário urbano, a motivação em compreender as abordagens dos arquitetos e suas intenções foi o principal propulsor da pesquisa.

No concurso para a CNM, os três projetos classificados demonstraram sensibilidade ao abordar o contexto local. No entanto, o terceiro colocado se distanciou um pouco em relação aos outros dois. Apesar de o edital mencionar critérios que envolviam aspectos relacionados ao lugar, as avaliações não enfatizaram diretamente essa questão. A pesquisa, entretanto, identificou relações em termos de integração da paisagem construída com a cidade, evidenciando a consciência do valor da paisagem de Brasília e a influência do repertório dos jurados no resultado.

Mesmo que a temática do lugar nem sempre tenha sido explicitamente abordada no concurso estudado, fica claro que sua presença é relevante nos projetos contemporâneos. A análise do concurso reforçou que a relação com o lugar na arquitetura é multifacetada e pode ocorrer em diferentes momentos do processo de projeto. Desde a análise inicial do contexto físico e cultural até a integração espacial, a abordagem sustentável, o diálogo com a comunidade e a consideração da materialidade, a compreensão do lugar é essencial para criar espaços arquitetônicos mais significativos e enraizados em suas comunidades. A integração com o contexto físico, cultural e social é um ponto-chave para criar espaços arquitetônicos que atendam às necessidades dos usuários e enriqueçam o ambiente construído.

Nesse sentido, tornou-se evidente que o estudo do lugar não é uma abordagem linear, mas uma consideração em constante evolução na arquitetura do país. A compreensão das características singulares de cada lugar e sua incorporação nos projetos arquitetônicos são fundamentais para criar espaços que respeitem a identidade local, promovam a sustentabilidade e melhorem a qualidade de vida das pessoas.

O estado da arte sobre o estudo do lugar na arquitetura reflete a crescente importância atribuída a essa temática, impulsionando o desenvolvimento de metodologias e técnicas que enriquecem o processo de projeto. A integração de tecnologias digitais e análises avançadas tem permitido uma abordagem mais completa e sensível em relação ao estudo do lugar.

Em resumo, esta pesquisa reforçou a relevância do estudo do lugar na arquitetura contemporânea, enfatizando sua importância multidisciplinar e sensível. A busca contínua dos arquitetos em compreender e incorporar as características únicas de cada contexto resulta na criação de espaços arquitetônicos significativos, sustentáveis e conectados com as comunidades em que estão inseridos. Portanto, a valorização do estudo do lugar deve ser incentivada e perpetuada nas práticas profissionais, promovendo uma arquitetura mais consciente e contextualmente responsiva.

 

 

Notas

¹ O especialista é responsável pelo portal e revista eletrônica concursosdeprojeto.org desde 2008 que além de publicações há uma pesquisa continuada sobre o tema em escala mundial.

² Para uma compreensão completa desse levantamento, é recomendável consultar a pesquisa mencionada que tem como título o lugar como estratégia de projeto: concursos de arquitetura no brasil (2010-2020).

³ Sede da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) – Distrito Federal/CO, Sede da Inspetoria do CREA-PB – Paraíba/NE, Museu Instituto Moreira Sales (IMS) – São Paulo/SE, Novo Campus Cabral da UFPR – Paraná/S, Unidade Básica de Saúde Parque do Riacho – Distrito Federal/CO, Parque Tecnológico de Joinville – Agora tech Park – Santa Catarina/S, NASP e Sede Natura – São Paulo/SE.

4 Além dos premiados, o júri concedeu cinco menções honrosas a outros escritórios: Studio Paralelo (RS), Andrade Morettin Arquitetos Associados (SP), Brasil Arquitetura Ltda (SP), Costa e Macedo Arquitetos Ltda (SP) e da equipe formada por arquitetos independentes coordenados por André Fornari.

5 Publicação do projeto vencedor do concurso para Sede da CNM na Revista Projeto disponível em: https://revistaprojeto.com.br/acervo/mira-arquitetos-confederacao-nacional-dos-municipios-brasilia/

6 Publicação do projeto vencedor do concurso para Sede da CNM no Portal Vitruvius disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/17.201/6671

7 Para que não haja confusão epistemológica entre os termos espaço e lugar, “o espaço arquitetônico se define por um vazio que o constitui em consequência de uma ação huma­na compositiva. Em outras palavras, o espaço da arquitetura é necessariamente projetual” (LEITÃO e LACERDA, 2016, p.809).

8 Edital do concurso para Sede da CNM-DF disponível em: http://servicos.iabdf.org.br/concursocnm/bases/Edital_2010_11_17.pdf. Acesso em março de 2023


 

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Ana Iris de Oliveira Alves

Arquiteta Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

ana.iris@ufpe.br

https://orcid.org/0009-0002-7118-3732

 

Fernando Diniz Moreira

Arquiteto pela UFPE (1990), Historiador pela UNICAP (1991), Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE (1994) e em Arquitetura pela University of Pennsylvania (2000), Ph.D. em Arquitetura pela University of Pennsylvania (2004). Professor Titular do Depto de Arquitetura e Urbanismo da UFPE e Pesquisador 1-D do CNPq. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

fernando.diniz.moreira@gmail.com 

https://orcid.org/0000-0002-1387-4036